sábado, 16 de março de 2019

DEVANEIOS-DE INCONTINÊNCIA DE FLORBELA

Tenho Cara De Antigamente Quando Espanca Era Florbela
SOFRIMENTO POÉTICO AGUDO
Florbela Espanca

Sei lá!
Sei lá! Eu sei lá bem Quem sou? um fogo-fátuo, uma miragem... Sou um reflexo...um canto de paisagem Ou apenas cenário! Um vaivém Como a sorte: hoje aqui, depois além! Sei lá quem sou?Sei lá! Sou a roupagem De um doido que partiu numa romagem E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!... Sou um verme que um dia quis ser astro... Uma estátua truncada de alabastro... Uma chaga sangrenta do Senhor... Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados, Num mundo de maldades e pecados, Sou mais um mau, sou mais um pecador...

Nossa poeta sofrida, ausente de si mesma, sem saber quem era.  "sei lá".  Apossou-se de onze qualidades e inquiriu-se de forma impertinente saltitando como louca estabanada num emaranhado de possibilidades.  Pobre moça de inteligência rara, de auto-estima nenhuma e movida em incertezas.  Encharcada em choros de  criança mas colocando as rimas nos lugares certos.  Deus não lhe tomou as virtudes.  Belos versos, embora doentios.  Podia ser várias coisas mas era um nada, e um nada não existe.

Um fogo-fátuo tremelente, uma miragem enganosa ou um reflexo, quem sabe, de um espelho quebrado.  Um mísero canto de paiagem ou apenas um cenário morto!  Um vaivém buliçoso sem lugar pra descansar.  A roupa de um doido em surto, um molambo estraviado.  Um verme com pretensão à astro ou uma estátua totalmente estatelada.  Uma chaga sangrenta do Senhor, cumprindo fados.  Era ela um mau, um pecador.  Ela era instintivamente imprestável e entre os onze era zero.

Como en sinto dó da minha querida poeta, transtornada em toda sua curta vida.  Três casamentos fracassados e um suicídio final dramatizado para ocorrrer no dia de seu aniversário.  Claro que há um distúrbio mental junto com uma brilhante inteligência.  Dor, ansiedade, aflição, incerteza, auto-desvalorização e uma imensa infelicidade.  Produção intelectual intensa e volumosa e apesar disso, espaços grandes para suspiros de insatisfações.  Difícil de se entender onde a mola destes surtos.

Florbela Espanca, poetisa lusitana, formada em Direito, coisa rara em seu tempo e um último relacionamento conjugal com um médico.  Que o céu a receba e lá ela tenha conseguido equilibrar seus valores.  É ali a prestação de contas de todas as criaturas do Pai, e o perdão piedoso e pródigo.  Que essa preciosa pessoa esteja já num estado normal de entendimento dos porquês que cercam as vidas de todos nós.   Qua ela volte numa próxima ocasião e sem memória de seu último estágio por aqui, seja feliz.


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