23/01/2011 - 09:08 - Atualizado em
23/01/2011 - 09:29
Marina Ottaway: "Regimes árabes não vão se tornar
menos repressivos"
Em
entrevista a ÉPOCA, Marina Ottaway, diretora do programa de Oriente Médio do
Fundo Carnegie para a Paz Internacional, afirma que o levante popular da
Tunísia, que derrubou o ditador Zine el-Abidine Ben Ali, não vai tornar os
governos da região menos opressivos
José Antonio Lima
REVOLUÇÃO?
Tunisianos conseguiram derrubar o presidente Ben Ali, mas seus aliados continuam
controlando o governo
Em 14 de
janeiro, Zine el-Abidine Ben Ali, que governava a Tunísia desde 1987, fugiu do
país rumo à Arábia Saudita. Era a única saída para o ditador diante da
crescente onda de manifestações populares iniciada na cidade de Sidi Bouzid, em
dezembro, e que naquele dia chegou à capital, Túnis. Ao deixar o poder, Ben Ali
se tornou o primeiro governante da história do mundo árabe a ser derrubado por
um movimento popular, um acontecimento que fez alguns analistas
vislumbrarem um efeito dominó que marcaria o início de uma era
democrática no norte da África e no Oriente Médio.
Essa
análise, no entanto, ainda é muito apressada. Quem assumiu o poder no lugar de
Ben Ali foi o primeiro-ministro, Mohamed Ghannouchi, um antigo aliado do
ditador, conhecido como "Sr. Sim Sim" por concordar com
tudo o que Ben Ali dizia. Sua nomeação foi recebida com revolta, e os
protestos continuaram. Na primeira tentativa de acalmar os ânimos da
população, Ghannouchi nomeou um gabinete com alguns oposicionistas, prometeu
liberdade para a imprensa e para os presos políticos e afirmou que
todas as suspeitas de corrupção - muitas delas envolvendo a família de Ben Ali
- seriam investigadas. Ghannouchi, entretanto, manteve pastas importantes,
como Defesa, Finanças e Relações Exteriores, nas mãos de membros do
Comício Constitucional Democrático (CCD), o odiado partido de Ben
Ali. A segunda tentativa de Ghannouchi para aplacar os ânimos foi fazer
com que todos os membros do governo deixassem o CCD. Também não funcionou, e os protestos
pedindo a dissolução do governo provisório ainda persistem. Assim, o que a
Tunísia vive hoje é um impasse. Atores como os militares, que se recusaram
a atacar a população, e os partidos islâmicos, banidos da política, ainda
não estão agindo de forma clara, e não se sabe como o movimento popular vai se
estruturar daqui para frente.
Nesta
entrevista a ÉPOCA, Marina Ottaway, diretora do programa de Oriente Médio do Fundo
Carnegie para a Paz Internacional, uma organização baseada em Washington cujo
objetivo é formular políticas que possam ser empregadas pelo governo
dos Estados Unidos, analisa o contexto do levante popular da Tunísia e
as consequências que a crise pode ter para o Oriente Médio. Em
sua opinião, o que ocorre na Tunísia não pode ser considerado uma revolução
pois não houve troca de poder. Segundo ela, é
preciso observar a evolução da organização dos movimentos
populares para saber se eles se transformarão em um desafio à altura do
Estado policial que foi deixado como herança por Ben Ali.
ÉPOCA – A
senhora estuda as transformações políticas do Oriente Médio há anos. Ficou
surpresa ao ver um levante popular derrubar um líder que ficou
no poder por 23 anos?
Marina – Isso certamente nunca aconteceu antes em um país árabe. As derrubadas
de governos que ocorreram sempre foram provocadas por golpes militares, então
esse tipo de levante popular é muito raro. Isto posto, é muito importante assinalar
que, apesar de Ben Ali ter deixado o país, o regime ainda está lá. Em outras
palavras, o levante popular não provocou uma transferência de poder para outro
grupo. As pessoas que estão no poder são as mesmas que apoiaram Ben Ali
nos últimos 20 ou 30 anos – o primeiro-ministro, o presidente do Parlamento e
mesmo os oposicionistas que entraram no governo de unidade nacional são de
partidos que tinham permissão de atuar dada por Ben Ali. A oposição de
verdade está banida.
ÉPOCA – Os
manifestantes seguem pedindo que os antigos aliados de Ben Ali deixem o
governo. Isso não aumentaria a instabilidade na Tunísia?
Marina – Se houvesse um governo que não incluísse membros do partido de Ben
Ali, a estabilidade seria maior, provavelmente os protestos não continuariam.
Mas o problema é: de onde essas pessoas viriam? Como você forma esse governo em
um país onde a atividade política foi banida? Não há partidos políticos fortes
que produzam grandes lideranças. Esse é o problema com levantes espontâneos
como este que estamos testemunhando. No fim das contas, eles não trazem novas
lideranças.
ÉPOCA – O
fato de Ben Ali ter sido derrubado em um movimento que não envolveu forças
estrangeiras foi surpreendente?
Marina – Não me surpreende de forma alguma. Acho errado acreditar que é preciso
haver um ator estrangeiro para alguma coisa deste tipo ocorrer. As pessoas
estavam fartas e mostraram que tinham perdido a paciência com o governo.
A lição é:
mudanças significativas não ocorrem a não ser que haja participação popular.
A questão na Tunísia é: há organização suficiente por trás deste movimento
popular para produzir uma mudança duradoura? O meu temor é que não haja.
ÉPOCA –
Neste momento de tensão, em que há uma tentativa de formar um governo legítimo,
qual deve ser o papel dos EUA e da União Europeia?
Marina – Sei que essas ONGs americanas que promovem a democracia e apoiam as
eleições em outros países já mandaram observadores para a Tunísia. Se houver
eleições, tenho certeza que elas vão se envolver, por exemplo, na preparação
dos partidos políticos. O governo dos EUA, por sua vez, deve ser muito
cauteloso, por duas razões. A primeira é que os EUA eram considerados um
apoiador de Ben Ali. Ben Ali estava cooperando na luta contra o movimento
terrorista no norte da África, os EUA estavam satisfeitos com isso e fecharam
seus olhos para a violação de direitos humanos e a falta de democracia no país.
Como muitos veem os EUA como amigo do regime, o país agora não tem
credibilidade para mudar de lado e posar como amigo do levante popular, porque
as pessoas sabem muito bem que esse não é o caso. A segunda razão para os EUA,
os países europeus e qualquer outro ator externo serem cautelosos é que um dos
assuntos principais que vai surgir nas eleições é sobre a participação dos partidos
islâmicos. O maior partido islâmico está no exílio e a questão é se eles
poderão disputar as eleições. Depois que a Irmandade Muçulmana ganhou 20% dos
assentos em uma eleição parlamentar no Egito, em 2005, os EUA são contra a
participação de partidos islâmicos nas eleições. Seria horrível para os EUA se
colocarem a favor das eleições, da participação popular e depois deixar claro
que não querem os partidos religiosos no pleito. É importante a administração
Obama decidir até onde quer ir e qual posição vai tomar antes de criar uma
situação constrangedora.
ÉPOCA – A
partir do que está ocorrendo na Tunísia, quais lições os EUA podem aprender
para usar em sua iniciativa de promover a democracia no Oriente Médio?
Marina – Os EUA tentam promover a democracia a partir do topo, a não ser no
Iraque, onde provocaram a mudança de regime, e no Irã, onde claramente apoiam
uma mudança de regime. Mas nos outros países, quando os EUA falam de promoção
da democracia, não estão falando sobre novos regimes, mas sim sobre
convencer os atuais governantes a fazer algumas mudanças, a se tornar um pouco
mais abertos, mais apresentáveis em termos de suas credenciais democráticas. A
lição é: mudanças significativas em um país não ocorrem a não ser que haja
participação popular. A questão na Tunísia é: há organização
suficiente por trás deste movimento popular para produzir uma
mudança duradoura? O meu temor é que não haja.
Saiba mais
ÉPOCA – A
senhora não acha que o movimento popular da Tunísia vá conseguir produzir novos
líderes?
Marina – Neste ponto ainda não temos informações suficientes para avaliar o que
está acontecendo dentro deste movimento. O que sabemos por outras experiências
é que eventos em que jovens se reúnem e convocam outros por mídias sociais para
as manifestações são muito úteis e efetivas em um estágio inicial, mas não são
suficientes para construir uma organização. Com uma tuitada você pode juntar
pessoas na rua, mas não pode criar líderes e desenvolver estruturas. Até hoje
não vimos um caso de sucesso de um movimento espontâneo, organizado
principalmente pelas mídias sociais, que tenha obtido um impacto duradouro. Eu
dou dois exemplos. O primeiro é do Líbano, do que as pessoas chamam de
Revolução de Cedro, que não é uma revolução na verdade, não mais do que é a da
Tunísia até aqui. Logo depois do assassinato do primeiro-ministro Rafik Hariri
[em 2005], os libaneses foram para as ruas em grande número para protestar
contra a morte e principalmente contra o sistema político. Isso levou a
eleições alguns meses depois, o pleito foi disputado pelos mesmos velhos
partidos e personalidades e no fim nada mudou. O outro exemplo é do Egito,
primeiro com o movimento Kefaya [já chega], nas eleições de 2005, e mais
recentemente com o movimento 6 de abril, organização que surgiu para apoiar a
candidatura de Mohamed El-Baradei para presidente, que não chegaram a lugar
algum em termos de criar uma nova organização.
ÉPOCA – Pelo
que a senhora observou até aqui, qual é o desfecho mais provável para a crise
na Tunísia?
Marina – A curto prazo, o que pode ocorrer é que os manifestantes não fiquem
satisfeitos com esse governo de unidade nacional e ocorra uma intervenção
militar. O Exército declarou que não iria atirar na população mas, se a
desordem continuar, pode intervir, e intervir contra os grupos que estão sendo
chamados de milícias, mas que na verdade é a guarda presidencial de Ben Ali. Se
o Exército tomar o poder, certamente vai convocar eleições logo, e o que
podemos ter é uma situação parecida com a da Argélia, na qual há um governo
civil muito influenciado pelos militares. Estou pessimista quanto à
possibilidade de um processo democrático genuíno, sem a presença dos militares,
justamente porque os partidos políticos são tão fracos.
ÉPOCA – Em
um artigo de 2007, a
senhora argumenta que os regimes árabes estão cientes de que o
empobrecimento da população pode levar à agitação política, mas que ao mesmo
tempo não entram em consenso a respeito do papel das transformações
políticas na revitalização da economia. A senhora acredita que o levante na
Tunísia vai modificar essa percepção?
Marina – O levante vai fazer com que os governos da região fiquem preocupados
em não deixar os preços aumentarem e tentem tomar medidas para criar empregos.
Mas eu duvido muito que vá convencê-los a se tornar menos repressivos, até
porque estarão com muito medo do que pode ocorrer. A possibilidade de
esse movimento se espalhar ou não por outros países vai depender dos grupos
locais e de como eles vão agir. Se houver grupos que decidam tomar a
liderança e fazer uma investida como essa da Tunísia, o movimento pode se
espalhar. Mas, repito, isso vai depender da iniciativa local.
Comentários
edelvio coelho lindoso | AM / Manaus |
24/01/2011 14:53
A xerifança na Tunísia
Os EUA em declínio não acredita nisso, continua com a velha mania, está em todas. O mundo inteiro
sabe disso, e os árabes, são cegos ou não acreditam? Os americanos gostariam de
levar seu modelo de democracia para os outros, todos os outros, sua religião, seu
jeans, seu tenis e até seu sabonete, mas se conformam com a servilidade, mesmo
que parcial. São intrometidos natos, são poderopatas. Quanto mal, em termo de
guerra, em perda de vidas, em sangue inocente derramado, por essa vontade de
ser "sobre", de ganhar todas, de se auto-cegar prá não perceber que
seu Império ou divide poder e se arrebenta de vez. Bem explicitado o texto
dessa reportagem, quando mostra o exíguo espaço de manobra para eles na
Tunísia, mas eles crêem no poder da sua super-vaselina, no seu shazam. Podem
chamar seu servo, o Reino Unido, só não deve é incluir no pacote, o reizinho
Israel, ai já é demais prá uma Cartola só.
edelvio coelho lindoso – 211213
A Tunísia está servil. A Líbia está com a mula domada. No Egito a tela está quente e a doma está
dfÍcil. Democracia não é uma peça à
venda que se compre, se leve e se adapte onde se queira. Não é um dom e nem tem poderes mágicos. A verdade dos paises arábicos e do OM é que
as suas riquesas os estão matando. A
ganância que está sendo levantada pelo trio hegemônico EUA, RU e Sionistas
tendem e trabalham para subjugá-los e explorá-los naquilo que os interessa, a
energia do petróleo e mais nada.
Democracia é um rótulo para desviar a atenção de quem queira e possa
perturbar o processo de dominação.