segunda-feira, 5 de maio de 2014

DEVANEIOS - DE MEUS 9 ANOS (2) (050514)


M E MÓ RIA


MEUS NOVE ANOS (2)

Estão vendo aquela rua lá?  Ela se chama Joaquim Nabuco, mas bem poderia ser rua do  Sem Fim.  Prestem atenção no que os fotistas chamam perspectiva, a profundidade da paisagem, nas paralelas que se encontram no infinito.  Ali, seis dias da semana, com um pezito de nove anos eu ia e voltava até a padaria e não aguentava de canseira.  Barganhava com Deus e dizia:   Meu bom Deus, vamos fazer um negócio?  Eu tenho que ir e vir, num é "mermo";  ai dava um pulinho e um semi-volteio, e agora estava com as costas na ida e a frente na vinda e falava:  Se eu fizer assim eu já estou de volta com pão e tudo;  legal?  Não, respondeu o Senhor;  menino esperto hein?  E deu três toques no meu juízo.  Enfadado e vencido encetei viagem e comigo estava aquela irmã chata que me puxava o cabelo;  dei-lhe um beliscão nas costelas e segui.  

Logo ali adiante ia encontrar o meu destino, como se tivesse dado três pancadinhas em alguma madeira, segundo Saramago.  Era o aramado de frente de uma casa, longuíssimo e armado de florzinhas pequenininhas e azulzinhas;  era na verdade um buquezinho destas florinhas que eu chamava de nuvens e eram muitas.  Enxerguei por entre as brechas que uma branda brisa buliçosa deixava entrever, um rostinho lindo de viver, branquinho e redondinho com dentes pequenininhos que com algum acanho se escondiam.  Os lábios rosados emorrecentes formavam a linda boquinha que guardava aqueles dentes.  Para aumentar a paixão louca que de mim se apossou, a lindíssima donzela passou uma íngua cor-de-rosa, só a pontinha, entre os dentes e a liberdade, e a luz que dali se espargiu, iluminou pequeninos pontos de sardentos pretos sobre o branco, que me perfilou sereno!  Estava apaixona d-o-dó.  Só não dancei porque a implicante puxadora de cabelos estava defronte de mim, mas mesmo assim dei-lhe um chute na canela.  Ela que se comportasse e não atrapalhasse meu casamento que "nóis" ia se casar.  

A bela santa cujos olhos cintilavam perguntou como Marta perguntava a Jesus de Nazaré:  Como é o seu nome?  E eu respondi; aceito sim Senhora.  Eu queria casamento pra já.  Eu delirava e minha irmã espalhafatosa me segurou pelo nariz e sentiu que eu estava com febre, porque me conhecendo como conhecia sabia que minhas explosões de amor eram essencialmente narigais.  Gioconda foi o nome que dei à minha namorada, mas eu já a  chamava de de Gioca e ela gostava.  Se aproximou e passou a sua destra na minha face cavilosa;  ficaram duas listras brancas no meio da sujeira que me acompanhava.  Desmaiei, mas antes dei dois beliscões nos dois pequenos peitos de minha antipática irmã.  E com vergonha do desmaio, pedi desquite e me separei para nunca mais voltar.

"Fumos", pegamos o pão e regredimos pela calçada contrária para não haver recaída.  Quando passei defronte do cobertor de nuvens, virei o rosto pra parede que me acolhia e assoviava com estridência com espírito de zombaria;  minha testa estava na parede mas meus olhos reverteram-se para trás e nada enxerguei porque estava olhando para dentro de minha caveira;  como eu tinha medo de caveira, disparei na carreira com a bestada atrás de mim, e cheguei em casa antes dela.  Miserável, gritava eu, me deixaste viúvo antes mesmo de me casar.  Vou te rogar uma praga:  hás de casar com o primeiro jumento da vizinhança que por aqui aparecer pedindo teu casco em casamento.

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