De seu Armando, português motorneiro de bonde, nas suas folgas no bairro da Torre onde morávamos. Corria 1947, e seu Armando com um galo de briga debaixo do braço corria as ruas olhando através das cercas os quintais dos vizinhos. Que horror; Como era costume quase a totalidade das casas tinha sua criação de galinhas e naturalmente um galo em cada terreiro. O sacana do portuga enfiava seu galo de briga entre as faxinas da cerca e ficava de fora atiçando seu criminoso, torcendo até se mijar, e vendo o galo da terra ser sovado quase até a morte. Além da briga dos galos o que se via era a briga das mulheres donas de casa, já que seus maridos estavam fora trabalhando. Era uma gritalhada infernal e as mulheres tinham que abrir uma brecha para o infeliz entrar e recolher o vitorioso. O português sempre saia na melhor; era que as mulheres não queriam ver seus maridos metidos em brigas que não sabiam como iriam terminar. Assim foi e assim era até a próxima folga do motorneiro da Tramwais.
Dois Canários
E briga de canários? Outra malvadeza. Era uma procissão de homens, rapazes e meninos com gaiolas duplas separando os machos da fêmeas, e um terceiro gaiolão onde acontecia o MM. Era uma algazarra, uma torcida arrasadora para ver duas criaturinhas amarelas como gemas, insufladas por suas senhoras em gaiolas à parte. Acontecia morte de um dos dois, coisa muito dolorosa, mesmo sem as esporas que os galos tinham. Os pobres perdedores, abatidos no chão, de papo pra cima e a cabeça já sem controle, sufocados pelos corrimentos nasais, com os pulmões à meia carga dificultando a respiração, e a infernal zoada. Luta terminada, com uma sentida fêmea quase viuva, dinheiros de apostas sendo trocados entre os participantes de tamanha atrocidade, quando o dono do perdedor tira o pobre arquejante da arena, semivivo ou semimorto, que importa! Cabe inteirinho na palma da mão do salafra; este o aconchega, levanta o braço muito acima da cabeça e o sacode num rompante de ódio na calçada. A pobre avezita nesta queda se desmancha inteira, com o peito aberto, os intestinos à mostra e o sangue colorindo o branco da baba da sede que antecede a morte.
As almas desse galo e desse canário certamente voejam para o Céu, pro abraço de Deus.
E que venham mais lembranças destes idos anos 40. Estou gostando bastante.
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