domingo, 28 de dezembro de 2014

DEVANEIOS - DE CIRCUNVIZINHOS

terça-feira, 1 de outubro de 2013


DEVANEIOS - DE CIRCUNVIZINHOS

Viajo por que preciso, volto por que te amo
Mulher feia e urubu comigo  é na pedra
De Frente-E-Igreja Da Capunga-D-Sobradão
Onde Morávamos No Térreo


EXPLICO

 Ambição é dom de Deus;  sem ela  não se vence.  Ganância porém, é o excesso de ambição, o aleijão de uma virtude.
    Já falei anteriormente do Parque Amorim, da Rua Joaquim Nabuco, da Igreja da Capunga, do CAB, do Pingalho e vou subindo a procura da Baixa Verde. Tudo isso em Recife, entre 1941 e 1945.  Na rua à Direita  eis meu destino de passagem de água;  a curva do chão era verdoenga, coberta de musgos, dando uma aparência doentia ao ambiente, carregando meus dez anos de vida.  Era realmente uma Baixa, como se tivesse a obrigação de contensão e   ali numa casa morava uma menina franzina, tanto quanto a mãe, minha colega de CAB, chamada Matanias,  nome Bíblico, em função da religiosidade da família, quase que como uma superstição.  Adiante era a casa  do meu amigo Gladstone, um baixinho gordo com óculos de lentes extremamente grossas, amulatado, também do CAB e filho de um Coronel da Polícia,  de pequena estatura.  Quantas vezes eu lá ia para ouvir no rádio as aventuras do Vingador no seu cavalo sobre duas patas traseiras, segundo os postais e os reclames da Colgate-Palmolive, e também do Tarzan.  Na minha casa não tinha rádio.  Gladstone era consumidor compulsivo do X-9, uma revista de espionagem e crimes, com este investigador imbatível.  Não me agradava, pois não tinha retratos ou desenhos;  não era uma revista de quadrinhos.  De vez em quando eu filava um jantar que sua mãe servia, eramos todos bons vizinhos.
    Se fosse de dia e se fosse Domingo, eu passava embalado para o Parque do Derby, lugar de reunião dos ricos e da juventude de bom cheiro.  Lá existia um lago artificial para um peixe-boi, um bambual verde e estalante ao vento, com boa sombra sobre as águas.  Outro tanque no nível acima do chão continha piabas e eu levava um alfinete com a ponta retorcida ao jeito de um anzol, com uma linha amarrada abaixo da cabeça do grampo e enrolada no meu pulso; tinha ainda no bolso um pedaço de pão surrupiado de casa, para usar como isca; era botar a mão dentro da água e puxar já com a piabinha se estabanando.  Era uma malvadeza de que hoje me arrependo e era vigiada por um funcionário que quando o avistávamos, desembalávamos na carreira.  Tinha lá todos os brinquedos tradicionais de um Parque, mas o qua mais me impressionava se chamava Loré;  era um balanço coletivo com uma madeira plana enorme e as cabeceiras onde ficavam suspensas a tal tábua.  Dois meninos grandes ficavam em pé de cada lado, sobre a gerigonça, num esforço contínuo pra lá e pra cá, indo a alturas delirantes; era uma algazarra e uma gritaria constante.  Muito menino ou menina tentava saltar amedrontados, e era sempre um risco.  Foi o que me  aconteceu;  e a ponta de um ferro rasgou-me a calça na lateral, não virando uma saia por que tinha uma entre-perna.  Sai correndo desesperado, com vergonha e com medo do que aconteceria em casa.  Corria e corria, querendo conter o choro, segurando a lateral aberta da calça, e a distância não diminuía.  Que verdade o ditado tem, de que a dor chega em enxurrada mas se esvai em conta-gotas.  Que demora em consumir a Baixa Verde e enveredar no rumo de minha casa.  Lá chegando, em convulsão de medo, a figura protetora de meu querido Tio Artur me acolheu  e me consolou e me confortou.  Para redimir a calça rompida,  que o meu Tio poderia fazer?  Não sei, mas ele fez e meu Pai não tomou conhecimento dessa trela, e como estou aqui esbaforido, deixei para descrever o resto do Derby, na próxima memória.  Que bom lembrar.  "O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa, quando começa a pensar"?

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