terça-feira, 20 de setembro de 2016

DEVANEIOS - DE MANGAR (160215) (160216)

Tenho Cara De Antigamente, Quando Amor De Mãe Era Porto Seguro
CADA ANÃO TEM A BRANCA DE NEVE QUE MERECE
Domingos-O Tempo É Absoluto-Saudades

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

DEVANEIOS - DE MANGAR

Tenho Cara De Antigamente, Quando Caçoar Era Mangar
MANGAÇÃO ÉO ASSASSINATO DO MANGADO 
Reclame De 
Remédio De Antigamente

Triste do mangado.  Qem manga ni mim é um sem coração. Eu me encolho, corro, me escondo e fico mais pequenininho quando alguém manga ni mim.  Seje por causo que de uma camisa feita na alfaiataria mamãe. De uma alpargata mal enfiada.  De uma calça sungada.  Purque com essas coisas vocè faz o mundo mais desinfeliz.  Mas, minha mãe gosta de mim, me abraça e ela é quentinha, bota a mão espalmada na minha testa e empurra pra trás, é o seu carinho, e nele eu sinto que tenho jeito, que tenho canto.  Nem me importo que me chamem de feiurinha, de todo troncho, de tampinha, de toco de amarrar jumento, só levo em conta de não contar em casa essas aporrinhações que na verdade acabam com a minha beleza.

Minha mãe era gentil, ela dizia para eu rir para os outros com todos os dentes;  coitada, esquecia que eu era banguelo, que me faltavam dois dentes e que eu não podia morder.  Oh, preguiça, sai de cima de mim, gritava ela;  pensa que sou tua mãe?  É verdade, ela era malcriada, mas eu nem ligava porque, se eu fizesse cara de choro, era ela quem corria pra cima de mim e seu arrebatamento era como o abraço da Santa Maria protegendo o menino Jesus.  

A nãe não fazia mangação de eu;  só ria ca boca troncha e os quatro dedos em cima dela, porque o cata-piolho ficava em baixo do queixo.  Bença, mãe, e eu saia correndo, com alegria no coração,  com  a caixa de lapis johan Faber cheirosa que eu ia cheirando, pensando que a felicidade do mundo morava em mim.  Oi, fedegoso;  o grito me atingia, mas eu fugia dele;  o riso da professora, d. ritinha, substituia o da minha mãe;  eu a achava bonitinha; era engraçadinha e passava os dedos no meio da minha cabeleira, eu me sentia abençoado.  Hoje, velho, mesmo tendo continuado pequeno eu penso;  mas que menino carente era aquele!  Na volta eu apertava os lapis coloridos, meus verdadeiros amigos.  Eles não me diziam nada, mas eu os sentia comigo.

Mãinha estava roxa, os olhos revirava e ela tão pequeninita respirava com sofreguidão.  Uns dizia, era derrame e eu me lembrava da palmada dela quando eu derramei a caçarola do leite em cima do fogão de lenha.  Mãe, eu diza comigo, chorando e com a voz apertada, eu fico na cozinha com o lombo descoberto e tu podes dar quantas lambada quiseres, mas não me deixes só.  Eu não gosto quando mangam ni mim  e se tu não empurrar minha cabeça pra trás e disser, preguiça, tu quer banana, eu fico abilolado, sem o sorriso dos dentes eu me sinto orfa.  Mãezita, para com isso, eu vou esconder tua rede, que eu sei muito bem para que ela serve quando a gente não serve mais.  

Me encolhi no pé da cama dela, arfava, larguei os lapis queridos que cairam da caixa, meu irmão pequenitito agarrou um e se lambusou com sua cor preta, cor da morte.  Eu nem liguei, eu estava só, agora minha dor era gigante, coisa que nunca conheci;  chorei, chorei, chorei...

Afelò, pirulito, tengo-tengo lengo-lengo, olha o cavaco, passava tudo isso na rua, no meu bairro, mas que bairro, aquilo era buraco mesmo, era o buraco em que eu vivia, em que era alegre e era seguro, o buraco onde eu tinha  minha mãe, onde os valores eram altos, as querências eram muitas, embora o cheiro de pobreza superasse tudo.  Mãe querida, "trago-te flores, restos arrancados da terra que nos viu passar unidos e ora morta, nos deixa separados".

Pobreza, mangação, com mãe, é melhor do que riqueza e cheiro de parisiana em frascos de litro, sem mãe


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