sábado, 21 de junho de 2014

DEVANEIOS - DE MEUS 9 ANOS - (1) 03 /52

1980-Manaaus-AM-Glauce-(eu) ambos aos 45 a
Tenho Cara de Antigamente,  Sou do Tempo Em Que Bacana Era Batuta
EU DEVO TANTO, QUE SE CHAMAR ALGUÉM DE MEU BEM, O BANCO TOMA

DEVANEIOS - DE MEUS 9 ANOS (2)


Estão vendo aquela rua lá?  Ela se chama Joaquim Nabuco, mas bem poderia ser rua do  Sem Fim.  Prestem atenção no que os fotistas chamam perspectiva, a profundidade da paisagem, nas paralelas que se encontram no infinito.  Ali, seis dias da semana, com um pesito de nove anos eu ia e voltava até a padaria e não aguentava de canseira.  Barganhava com Deus e dizia:   Meu bom Deus, vamos fazer um negócio?  Eu tenho que ir e vir, num é "mermo";  ai dava um pulinho e um semivolteio, e agora estava com as costas na ida e a frente na vinda e falava:  Se eu fizer assim eu já estou de volta com pão e tudo;  legal?  Não, respondeu o Senhor;  menino esperto hein?  E deu três toques no meu juizo.  Enfadado e vencido encetei viagem e comigo estava aquela irmã chata que me puxava o cabelo;  dei-lhe um beliscão nas costelas e segui.  

Logo ali adiante ia encontrar o meu destino, como se tivesse dado três pancadinhas em alguma madeira, segundo Saramago.  Era o aramado de frente de uma casa, longuíssimo e armado de florzinhas pequenininhas e azulzinhas;  era na verdade um buquezinho destas florinhas que eu chamava de nuvens e eram muitas.  Enxerguei por entre as brechas que uma branda brisa buliçosa deixava entrever, um rostinho lindo de viver, branquinho e redondinho com dentes pequenininhos que com algum acanho se escondiam.  Os lábios rosados enmorrecentes formavam a linda boquinha que guadava aqueles dentes.  Para aumentar a paixão louca que de mim se apossou, a lindíssima donzela passou uma ingua cor-de-rosa, só a pontinha entre os dentes e a liberdade, e a luz que dali se espargiu, iluminou pequeninos pontos de sardentos pretos sobre o branco, que me perfilou sereno!  Estava apaixonã d-o-dó.  Só não dançei porque a implicante puxadora de cabelos estava defronte de mim, mas mesmo assim dei-lhe um chute na canela.  Ela que se comportasse e não atrapalhasse meu casamento que nóis ia se casar.  

A bela santa cujos olhos cintilavam perguntou como Marta perguntava a Jesus de Nazaré:  Como é o seu nome?  E eu respondi; aceito sim Senhora.  Eu queria casamento pra já.  Eu delirava e minha irmã espalhafatosa me segurou pelo nariz e sentiu que eu estava com febre, porque me conhecendo como conhecia sabia que minhas explosões de amor eram essencialmente narigais.  Gioconda foi o nome que dei à minha namorada, mas eu já a  chamava de de Gioca e ela gostava.  Se aproximou e passou a sua dextra na minha face cavilosa;  ficaram duas listras brancas no meio da sujeira que me acompanhava.  Desmaiei, mas antes dei dois beliscões nos dois pequenos peitos de minha antipática irmã.  E com vergonha do desmaio, pedi desquite e me separei para nunca mais voltar.

Fumos, pegamos o pão e regredimos pela calçada contrária para não haver recaida.  Quando passei defronte do cobertor de nuvens, virei o rosto pra parede que me acolhia e assoviava com estridência com espírito de zombaria;  minha testa estava na parede mas meus olhos reverteram-se para trás e nada enxerguei porque estava olhando para dentro de minha caveira;  como eu tinha medo de caveira, disparei na carreira com a bestada atrás de mim, e cheguei em casa antes dela.  Miserável, gritava eu, me deixaste viuvo antes mesmo de me casar.  Vou te rogar uma praga:  hás de casar com o primeiro jumento da vizinhança que por aqui aparecer pedindo teu casco em casamento.

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