Tenho Cara De Antigamente, Quando Chatolino Era Aquele Sem Graça Mas Carente De Atenção
QUE INFELIZ; SE RETIRAVA DA RODA, SORRATEIRO
Pai Amoroso-À D, Florbela
O Chatolino, evitado por todos, depois da enésima tentativa de pedir aceitação pelo amor de Deus, percebia o riso amarelo do mais leniente da roda e a picada aguda e penetrante no íntimo de sua alma e disfarçadamente se recolhia só, ouvindo às costas o rebuliço da turba como se todos estivessem derribando um cesto pesado, ao chão. Voltava com a cabeça cabisbaixa que comandava um corpo em redemoinhos, abaixo do pescoço. Chupava o vento em silvos oscilantes e chorava pra dentro infeliz e se sentindo lazarento enxotado como cão sem dono.
Em Olinda-PE, vindo pra Recife passando o Salgadinho, à direita, ereto e sóbrio coberto pela fuligem do tempo centenário de uso, o bueiro da Tacaruna. Marco divisório das duas cidades, sempre observado pelos passageiros viandantes dos bondes do passado. Á direita na janela, uma senhora murcha como passa-uva e petulante, com vestido abotoado no entorno do pescoço, mangas compridas e a arma de defesa contra intrusos na mão, depositada no colo. Ao seu lado um senhor comum de terno branco se surpreende, descobrindo que sua braguilha de botões estava aberta.
Rápido e sentindo o incômodo da situação, olhando em disfarce e com rapidez vê os olhos felinos da matrona sem que seu pescoço estivesse torcido pegando no flagra tamanho insulto. Inquieto pergunta, para ter tempo de se impor na decência devida: A senhora já viu o bueiro da Tacaruna?, apontando desconfiado para a janela e bueiro à fora. A velha, segurando a arma, resposta irada: Não vi nem quero ver, e se botar pra fora eu meto-lhe o cabo da sombrinha. Foi desconcertante, toda a audiência do bonde em rebuliço redundante. Oh dona, guarde a sombrinha e dê uma olhada.
O Chatolino no último banco do bonde, ri pra dentro, e pensa: Não sou só eu que se sente infeliz nesse mundo, não. Aquele rapaz de branco vestido está tendo sua gota de infelicidade, também. Creiam nisso. Cada qual tem o seu dia de Chatolino; Cada qual terá o seu dia de rapaz de branco. E, pior... Se você se sentir na pele da velha com sua sombrinha, sozinha e sem sobrinha, sem saber para onde olhar: Se para o bueiro da Tacaruna ou pra braguilha de botões do rapaz de branco... São opções que a vida entrega. Sejam humildes e se preparem para qual das três escolher.
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