quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

DEVANEIOS - DE LIXO

Tenho Cara De Antigamente, Quando O Frio Era Maior Que O Cobertor
ERA REALMENTE O FIM DA PICADA

Pintura Clássica (?)

Triste do lixo que não pode ser descartado;  féretro sem encerro;  filho do Cão;  maldito de má memória.  Falo de um colchão, na origem de classe "A", com armações etc... que teve a má sorte de uma mudança desastrada que desarticulou sua aparência burguesa e o tornou um quebra-ossos.  Um lado capenga, o outro se exibindo à Eternidade...  costela quebrada, espinha partida, rins doidos, joelhos inchados, costas quase tísicas e o seu dono com vergonha de parecer ser isso mesmo.  Numa manhã ele expirou e o que fazer para não ferir-lhe a dignidade?

O caminhão do lixo que a Prefeitura designou para esse fim, numa lei oral de uma boca fanhosa vinda dos confins de não sei aonde dizia peremptoriamente: Não.  Esse defunto não é nosso, passando, abacaxi.  Assim, desrespeitosamente, nas minhas fuças, sem reparar nos meus sentimentos de agradecer, dos seus tempos de juventude, o orgulho que me causava.  Fiquei chocado, deprimido e as dores da minha ossatura e dos órgãos vitais retiniram revoltadas contra tamanha audácia.  Diziam-me:  Vamos, vamos nos queixar na maçonaria, ao Eduardo Cunha ou ao Renan Calheiros.

Pasmem, senhores, pensei em me suicidar.  A vingança, dois cadáveres em vez de um, tá bão?  Mas meu entusiasmo estava fraquinho, definhado com toda essa ingratidão.  Enrolem-me nesse colchão, pedi, implorei, me lambuzei e pessoa alguma me atendia.  Aluguei uma caminhoneta, ela era do PT e resolvi levar meu fardo para os confins onde a floresta bordejava o urbe.  Era ali, em plena natureza que aquele amigo e sua alma atormentada dormiriam.  Eu, por minha vez, permaneceria, contra a minha vontade, vivo, vivinho da silva e passaria até o final só dormir sobre esteiras.  Pronto.

Me ofereceram uma rede e eu não aceitei, meu  orgulho não permitiu um desacato desse aos amigos cearenços.  Fiz melhor, só dormiria no chão limpo.  Colchão, nunca mais.  A saudade era infinita, eu urrava e um soldado da puliça fez um sinal de cascudo, para mim, se eu não me calasse.  Gritei:  Tô lascado, num posso nem gorjear meu sentimento sentido pela perda de um amigo!  o coitadinho ficou com as costas num pé de pau da selva ignota...  ôpa, que foi que eu disse?  Sei lá, mas falei bonito, meu amigo defunto vai gostar.  Que vire anjo, que lhe preguem duas asas e ele avôe.



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