sexta-feira, 11 de novembro de 2016

DEVANEIOS - DE "VELUDO" (111113)

Tenho Cara De Antigamente, Quando Fazer Poesia Era Invadir O Âmago Procurando Luz
A CAUSA DAS ANGÚSTIAS ESTÃO SEMPRE DEBAIXO DAS ROUPAS
Este É O Meu Thompson, Finado Aos 19a.

Edélvio Coêlho Lindoso
11 de novembro de 2013 · Manaus ·
Eu tive um cão. Chamava-se Veludo, magro, asqueroso, revoltante, imundo,
Para dizer numa palavra tudo, foi o mais feio cão que eu vi no mundo.
Recebi-o das mãos de um camarada. Na hora da partida, o cão gemendo
não me queria acompanhar por nada. Enfim - mau grado seu - o vim trazendo
O meu amigo cabisbaixo, mudo olhava-o... "sol nas ondas se abismava...
"Adeus" - me disse, - e ao afagar Veludo, nos seus olhos o pranto borbulhava.
"Trata-o bem. Verás que o rafeiro te indicará os mais sutis perigos;
Adeus. E que este amigo verdadeiro te console no mundo ermo de amigos."
Veludo a custo habituou-se a vida, sua rugosa pálpebra sentida
que o destino de novo lhe escolhera; chorava o amigo que perdera.
Nas longas noites de luar brilhante, febril, convulso, trêmulo
a sua cauda - caminhava errante a luz da lua - tristemente uivando
Tussenel! Figuie e a lista imensa dos modernos zoológicos doutores
dizem que o cão é um animal que pensa; talvez tenham razão esses senhores
Lembro-me ainda. Trouxe-me o correio, cinco meses depois, do meu amigo
um envelope fartamente cheio! Era uma carta. Carta! era um artigo
contendo a narração miúda e exata da travessia. Dava-me importantes
notícias do Brasil e de La Plata. Falava em rios, árvores gigantes!
Gabava o "steamer" que o levou! Dizia que ia tentar inúmeras empresas
Contava-me também que a bordo havia mulheres jovens - todas francesas.
Assombrava - muito da ligeira modalidade que encontrou a bordo;
estava o caso de uma passageira... mal coisas mais do que me não recordo.
Finalmente por baixo disso tudo em nota breve do melhor cursivo
recomendava o pobre do Veludo pedindo a Deus que o conservasse vivo.
enquanto envia, o cão tranquilo e atento me contemplava, e - creia que é verdade
vi, comovido, vi nesse momento seus olhos gotejarem de saudade.
Depois lambeu-ma as mãos humildemente, estendeu-se aos meus pés silencioso
movendo a cauda - e adormeceu contente farto de um puro e suculento gozo.
Passou-se o tempo. Finalmente um dia vi-me livre daquele companheiro;para nada Veludo me servia, dei-o a mulher de um velho carvoeiro.
E respirei! !"Graças a Deus já posso" digo eu "Viver neste bom mundo
sem ter que dar diariamente um osso a um bicho vil, a um feio cão imundo."
Gosto de animais, porém prefiro a essa raça baixa e aduladora
um Alazão Inglês, de sela ou tiro, ou uma gata branca sismadora.
Mas respirei. Porém quando dormia e a negra noite amortalhava tudo
senti que a minha porta alguém batia! Fui ver quem era. Abri. Era Veludo.
Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo, farejou toda a casa satisfeito.
E - de cansado - foi rolar dormindo como uma pedra junto ao meu leito
Pragueje i furioso, era execrável suportar esse hóspede importuno
que me seguia como a miserável ladrão, ou como um pérfido gatuno.
E resolvi-me enfim. Certo, e custoso dizê-lo em alta voz e confessá-lo
para livrar-me desse cão leproso havia um meio só! era matá-lo.
Zunia a asa fúnebre dos ventos; ao longe o mar na solidão gemendo,
apresentava em uivos e lamentos... de instante em instante ia o tufão crescendo.
Chamei Veludo; ele seguiu-me. Entanto a fremente borrasca me arrancava
dos frios ombros o revolto manto. E a chuva meus cabelos fustigava.
Despertei um barqueiro. Contra o vento, contra as ondas coléricas vagamos;
Dava-me força o torvo pensamento! peguei um remo - e com rumor remamos.
Veludo à proa olhava-me choroso como um cordeiro no final momento;
Embora! era fatal! era forçoso livrar-me enfim desse animal nojento.
No largo mar ergui-o nos meus braços e arremessei-o às ondas de repente...
Ele moveu gemendo os membros lassos lutando conta a morte! era pungente!
Voltei a terra - entrei em casa, O vento zunia sempre na amplidão prouindo.
E pareceu-me ouvir o atroz lamento de Veludo nas ondas moribundo.
Mas ao despir dos ombros meus o manto notei! - Oh grande dor - haver perdido
uma relíquia que eu prezava tanto! Era um cordão de prata! - E tinha-o unido
contra o meu coração constantemente e o conservava no maior recato
pois minha mãe me dera essa corrente, e suspensa a corrente, o seu retrato.
Certo caíra além do mar profundo, no eterno abismo que devora tudo;
E foi o cão. Foi esse cão imundo a causa do meu mal; ah se Veludo
duas vidas tivera - duas vidas eu arrancaria aquela besta morta
e aquelas vis entranhas corrompidas! Nisto senti uivar a minha porta.
Corri - Abri... Era Veludo! Arfava! Estendeu-se aos meus pés. - e docemente
deixou cair da boca que espumava a medalha suspensa da corrente.
Fora crível, oh Deus! - ajoelhado junto ao cão - estupefacto, absorto,
palpei-lhe o corpo, estava enregelado; sacudio-o, chameio-o! estava morto!
CRESTOMATIA. Colégio Americano Batista. Recife-Pe. Curso de Admissão ao Ginãsio. Professora -Áurea Pinto. Colegas-Icrá, Elisafan e Anibal (onde estarão!). Ano -1945-aos dez anos conheci esta obra-prima de Luiz Guimarães Filho, que tantas lágrimas infantis me produziu. Tenho hoje setenta e oito anos de gratidão a este gênio de estro
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6 comentários
Comentários
Jil Norberto
Jil Norberto Grandioso texto!!!
12 de novembro de 2013 às 00:52 · Curtir
Edélvio Coêlho Lindoso
Edélvio Coêlho Lindoso Obrigado, Jil. Agora falo como você; Dá um trabalho; mas, me dá prazer. Você trabalha com criações e imagens(é a sua praia) Eu trabalho com palavras e criações(é a minha praia). O segredo está em não esconder os talentos.
12 de novembro de 2013 às 02:14 · Curtir
Edélvio Coêlho Lindoso
Edélvio Coêlho Lindoso O nome desse poema é "História De Um Cão".
12 de novembro de 2013 às 10:21 · Curtir · 1
Myrto Lindoso
Myrto Lindoso parece até o meu veludo...
12 de novembro de 2013 às 10:59 · Curtir
Marlu Norberto
Marlu Norberto Oh! mano você me levou há muitos anos atràs!! Como lembro desta poesia!!!!!!!!!!!! OBRIGADA.
12 de novembro de 2013 às 11:07 · Curtir
Edélvio Coêlho Lindoso
Edélvio Coêlho Lindoso Poemas-poéticos, prosas-poéticas e poesias puras, sem rimas mas com compasso, vibrato e outros aparatos que só Deus explica, enchem de ternura uma vida agreste, amacia espinhos de qualquer cipreste. Tenho dois sonetos, de Luiz de Camões e Machado de ...Ver mais
12 de novembro de 2013 às 18:32 · Curtir
Edélvio Coêlho Lindoso
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