sábado, 13 de fevereiro de 2016

DEVANEIOS - DE ANJO MALAQUIAS-MÁRIO QUINTANA

Tenho Cara De Antigamente, Quando Ayrão na "Bola Dividida" Nunca Androginou
TEXTO ORIGINAL DE QUINTANA, O MALAQUIAS

Anjo Malaquias

O ANJO MALAQUIAS

O Ogre rilhava os dentes agudos e lambia os beiços grossos,
com esse exagerado ar de ferocidade que os monstros gostam de
aparentar, por esporte.
Diante dele, sobre a mesa posta, o Inocentinho balava, imbele.
Chamava-se Malaquias – tão pequenino e reconchudo, pelado,
a barriguinha pra baixo, na tocante posição de certos retratos da
primeira infância...
O Ogre atou o guardanapo ao pescoço. Já ia o miserável devorar o
Inocentinho, quando Nossa Senhora interferiu com um milagre.
Malaquias criou asas e saiu voando, voando, pelo ar atônito...
saiu voando janela em fora...
Dada, porém, a urgência da operação, as asinhas brotaram-lhe
apressadamente na bunda, em vez de ser um pouco mais acima,
atrás dos ombros. Pois quem nasceu para mártir, nem mesmo a
Mãe de Deus lhe vale!
Que o digam as nuvens, esses lerdos e desmesurados cágados
das alturas, quando, pela noite morta, o Inocentinho passa por entre
elas, voando em esquadro, o pobre, de cabeça pra baixo.
E o homem que, no dia do ordenado, está jogando os sapatos dos
filhos, o vestido da mulher e a conta do vendeiro, esse ouve, no
entrechocar das fichas, o desatado pranto do Anjo Malaquias!
E a mundana que pinta o seu rosto de ídolo... E o empregadinho
em falta que sente as palavras de emergência fugirem-lhe como
cabelos de afogado... E o orador que pára em meio de uma frase...
E o tenor que dá, de súbito, uma nota em falso... Todos escutam,
no seu imenso desamparo, o choro agudo do Anjo Malaquias!
E quantas vezes um de nós, ao levantar o copo ao lábio,
interrompe o gesto e empalidece... – O Anjo! O Anjo Malaquias! –
... E então, pra disfarçar, a gente faz literatura... e diz aos amigos
que foi apenas uma folha morta que se desprendeu... ou que um
pneu estourou, longe... na estrela Aldebaran...


edélvio coelho lindoso

de umcomentarista interpretando o conto do criador


Estou apenas divagando sobre o imaginário de Mário Quintana de um anjinho recém-nato deitado de bruços e ameaçado como manjar por um papa-figo muito mau.  Atendia pelo nome de anjo Malaquias e na emergência foi acudido por Nossa Senhora que sapecou-lhe duas asinhas, mas na pressa de tirá-lo da garfada do energúmeno,  infelizmente foram pregadas na sua pequenita bunda.  A criaturinha sem sequer saber o que era a vida, já a estava defendendo.  Voava como barata-tonta, mas sempre de cabeça para baixo e atendendo à luz na janela, por lá enfiou-se.

Pobrezito do anjinho passando entre nuvens de quinas aguçadas dirigidas por outros anjos maiorzinhos que sem maldade simulavam atropelá-lo.  Nem anjo-da guarda ele tinha ainda mas Nossa Senhora dos Desvalidos cuidou dele o tempo inteiro.  Muita coisa ela não podia fazer pois ele com sua cômica atrofia se movia como se pendurado mas achando muito divertida aquela primeira traquinagem.  Anjo com asas na bunda era motivo para gargalhadas abusadas dos seus fraternos que nunca tinham visto aquilo.  A Compadecida tinha que dar um jeito.

Pois ela própria embarcou numa nuvem maior, fez um gesto contrito para cima e o céu se escureceu com grandes pingos de chuva.  Providenciou abrigo para os dois malcriados inocentes e amparou a queda do Malaquias  com suas asinhas pesadas.  Segurou-o nos seus braços abençoados, agasalhou-o e o fez dormir.  Arrancou-lhe com cuidado de mãe aquela coisa grotesca e com infinita paciência postou-as nos ombrinhos gorduchos.  Dormiram os dois na Paz do Senhor.  Dia seguinte estavam de volta à casa onde nascera o Malaquias e grandes festas aconteceram.

Desculpe-me o Quintana, louvada seja a Santa Mãe, seja o Malaquias um bom menino com suas asas invisíveis.  Deus que continue dando aos seus filhos o dom que cada um merece, como a invencionice sadia do Mário pensando em causos que a maioria nem está ai.  Qual a idade do anjinho agora?  E o seu criador, agora lá na Céu como estará?  Outros aqui virão, farão poesias, encherão de músicas todas as veredas, inventarão dramas, comédias e novelas como pinturas da vida que se leva.  Outros serão os protetores surgindo nas horas amargas dos solitários viajores.







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