MEMÓRIAS
1980-Manaaus-AM-Glauce-(eu) ambos aos 45 a
Tenho Cara de Antigamente, Sou do Tempo Em Que Bacana Era Batuta
EU DEVO TANTO, QUE SE CHAMAR ALGUÉM DE MEU BEM, O BANCO TOMA
DEVANEIOS - DE MEUS 9 ANOS (2)
Estão vendo aquela rua lá? Ela se chama Joaquim Nabuco, mas bem poderia ser rua do Sem Fim. Prestem atenção no que os fotistas chamam perspectiva, a profundidade da paisagem, nas paralelas que se encontram no infinito. Ali, seis dias da semana, com um pezito de nove anos eu ia e voltava até a padaria e não aguentava de canseira. Barganhava com Deus e dizia: Meu bom Deus, vamos fazer um negócio? Eu tenho que ir e vir, num é "mermo"; ai dava um pulinho e um semi-volteio, e agora estava com as costas na ida e a frente na vinda e falava: Se eu fizer assim eu já estou de volta com pão e tudo; legal? Não, respondeu o Senhor; menino esperto hein? E deu três toques no meu juízo. Enfadado e vencido encetei viagem e comigo estava aquela irmã chata que me puxava o cabelo; dei-lhe um beliscão nas costelas e segui.
Logo ali adiante ia encontrar o meu destino, como se tivesse dado três pancadinhas em alguma madeira, segundo Saramago. Era o aramado de frente de uma casa, longuíssimo e armado de florzinhas pequenininhas e azulzinhas; era na verdade um buquezinho destas florinhas que eu chamava de nuvens e eram muitas. Enxerguei por entre as brechas que uma branda brisa buliçosa deixava entrever, um rostinho lindo de viver, branquinho e redondinho com dentes pequenininhos que com algum acanho se escondiam. Os lábios rosados emorrecentes formavam a linda boquinha que guardava aqueles dentes. Para aumentar a paixão louca que de mim se apossou, a lindíssima donzela passou uma língua cor-de-rosa, só a pontinha entre os dentes e a liberdade, e a luz que dali se espargiu, iluminou pequeninos pontos de sardentos pretos sobre o branco, que me perfilou sereno! Estava apaixoná-de-o-dó. Só não dancei porque a implicante puxadora de cabelos estava defronte de mim, mas mesmo assim dei-lhe um chute na canela. Ela que se comportasse e não atrapalhasse meu casamento que "nóis" ia se casar.
A bela santa cujos olhos cintilavam perguntou como Marta perguntava a Jesus de Nazaré: Como é o seu nome? E eu respondi; aceito sim Senhora. Eu queria casamento pra já. Eu delirava e minha irmã espalhafatosa me segurou pelo nariz e sentiu que eu estava com febre, porque me conhecendo como conhecia sabia que minhas explosões de amor eram essencialmente narigais. Gioconda foi o nome que dei à minha namorada, mas eu já a chamava de de Gioca e ela gostava. Se aproximou e passou a sua destra na minha face cavilosa; ficaram duas listras brancas no meio da sujeira que me acompanhava. Desmaiei, mas antes dei dois beliscões nos dois pequenos peitos de minha antipática irmã. E com vergonha do desmaio, pedi desquite e me separei para nunca mais voltar.
Fumos, pegamos o pão e regredimos pela calçada contrária para não haver recaída. Quando passei defronte do cobertor de nuvens, virei o rosto pra parede que me acolhia e assoviava com estridência com espírito de zombaria; minha testa estava na parede mas meus olhos reverteram-se para trás e nada enxerguei porque estava olhando para dentro de minha caveira; como eu tinha medo de caveira, disparei na carreira com a bestada atrás de mim, e cheguei em casa antes dela. Miserável, gritava eu, me deixaste viúvo antes mesmo de me casar. Vou te rogar uma praga: hás de casar com o primeiro jumento da vizinhança que por aqui aparecer pedindo teu casco em casamento.
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