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Intervenção militar na Líbia: aspectos e dilemas das Novas Guerras, por Paulo
Gustavo Pellegrino Correa
A atual ação militar internacional na Líbia levanta aspectos
inquietantes sobre as intervenções humanitárias. Justificativas morais que
supostamente podem legitimar ações da Organização das Nações Unidas (ONU) e da
Organização do Tratado do Atlantico Norte (OTAN) não convencem totalmente a
comunidade internacional sua legitimidade, sobre o benefício dos seus efeitos e
também sobre o preço da omissão. No presente artigo, buscamos trazer
interpretações sobre as intervenções militares humanitárias que possam colaborar
na análise dos acontecimentos atuais na Líbia.
As intervenções humanitárias militares que ocorreram a
partir de 1994, após o genocídio de Ruanda que aconteceu diante de uma
comunidade internacional passiva, correspondem à chamada terceira geração de missões
de paz. Incorporou-se a idéia de “Estado falido”, que deveria ser estabilizado
e reconstruído. O uso da força nas intervenções foi ampliado e buscou se
legitimar por estar a serviço dos direitos humanos.
Existe uma mudança clara no modelo de violência
empregada nos conflitos a partir da década de 1990, pois passou a estar
direcionada aos civis. No início do século XX, de 80% a 90% das baixas em uma
guerra eram de militares. Menos de um século depois os números se inverteram e
a população local passou a ser foco das atenções internacionais. De acordo com
Hardt e Negri:
A violência é legítima se sua base é moral e justa,
mas ilegítima se sua base é imoral e injusta… A maioria das posições dos
direitos humanos agora advoga violência a serviço dos direitos humanos,
legitimado na sua fundação moral e conduzido pelos capacetes azuis das Nações
Unidas. (HARDT, M. 2004. p. 27)
Para a pesquisadora Mary Kaldor, essa nova forma de
violência pode ser qualificada como “nova guerra”, característica da atual era
da globalização e que apresenta diferenças das guerras tradicionais e,
portanto, de acordo com a autora, a solução para esse novo tipo de conflito não
está na visão tradicional onusiana em resolução de conflitos armados.
A autora definiu em seu trabalho Las Novas
Guerras: La violencia organizada em La era global as velhas guerras como
aquelas ligadas à evolução do Estado moderno, ambos apresentando várias etapas
nas quais caracterizariam os diferentes tipos de forças militares, estratégias
e técnicas, diferentes relações e diversos meios de luta. (KALDOR, 2001, p.31).
Um fenômeno no qual a distinção entre público e privado, interno e externo,
econômico e político, civil e militar, portador legítimo das armas, o não
combatente e o criminoso eram distinções claras.
As “novas guerras” devem ser interpretadas a partir do
processo de globalização justamente por ela contar com uma marcante presença.
Seu surgimento se dá em um ambiente de erosão da autonomia do estado e de seu
monopólio de violência legítima e, em certos casos extremos, da desintegração
do aparelho estatal (p.19).
Os conceitos de intervenção, de manutenção e imposição
da paz utilizados por estados e organizações internacionais como a ONU e OTAN
são fundados em idéias tradicionais da guerra. Na manutenção, a ação se baseia
na hipótese de que os lados da guerra encontraram um acordo e o objetivo da
operação é supervisionar e vigiar o cumprimento do acordo. Na imposição, os
capacetes azuis passam compor um dos “bandos” da guerra e devem lutar. No
entanto, para Kaldor o que é necessário não é apenas manter a paz, mas também
se fazer respeitar as normas cosmopolitas, as leis internacionais tanto
humanitárias como a de direitos humanos (p.160).
O respeito às normas cosmopolitas pode implicar no uso
da força, mas sua aplicação precisa ser reformulada em alguns princípios:
- o consentimento: necessário para qualquer
perspectiva de êxito pois não existe pacificação à força. As forças
internacionais necessitam ser consideradas legítimas. No entanto, o
consentimento incondicional é impossível. Se for possível estar de acordo com
todos os lados envolvidos no conflito é evidentemente uma grande vantagem, mas
o importante é o consentimento generalizado das vítimas e não o dos bandos.
- a imparcialidade: neutralidade e imparcialidade
são conceitos que se confundiram na sua prática. Na imparcialidade, não há
nenhuma discriminação em função da nacionalidade, raça, crença ou opinião
política. Esforça-se para dar ajuda humanitária, prioritariamente às aflições
mais urgentes. No princípio de neutralidade a ação externa não pode tomar
partido nas hostilidades, tampouco se envolver em controvérsias de caráter
político, religioso, racial e ideológico a fim de manter a confiança de todos e
poder agir. A neutralidade se mostra essencial para a ação de organizações como
a Cruz Vermelha que tem por objetivo somente a ajuda humanitária. Na tarefa de
proteger a população civil e impedir a violação dos direitos humanos, insistir
na neutralidade pode trazer confusão e até mesmo fazer com que as tropas
internacionais diminuam sua legitimidade perante a população local.
- o uso da força em uma intervenção: seu emprego deve
ser sempre o mínino necessário. Essa prática é um pouco incômoda para os
exércitos modernos que são organizados a partir de uma lógica clausewitziana na
qual o esforço de guerra tem por objetivo causar o máximo de números de baixas
no outro bando e reduzir ao mínimo as próprias. Numa operação de paz, a força é
empregada com a finalidade de proteger as leis cosmopolitas e os direitos
humanos, causando o mínimo de baixas de todos os bandos, é uma atitude centrada
em um novo soldado, o soldado-polícia internacional, que compõe uma tropa
cosmopolita profissionalizada, disposto a arriscar sua vida não pelo seu país,
mas pela humanidade.
Diante dos dilemas enfrentados pelas intervenções
humanitárias, ou novas guerras, não há dúvidas que a omissão da comunidade
internacional pode ter um preço humanitário de grandes proporções como foi o
caso do genocídio ruandês com mais de um milhão de mortos em poucos meses.
Entretanto, mesmo com a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, a ação
militar internacional na Líbia não se mostra legítima o suficiente para
enterdermos organizações como a ONU e a OTAN capazes de funcionar como polícias
internacionais defensoras dos direitos humanos. A arbitrariedade da escolha das
ações, os efeitos humanitários da própria força militar defensora dos civis e
os efeitos das transformações de princípios como soberania e autodeterminação
dos povos são elementos que compoêm um complexo quadro de análise ainda pouco
trabalhado.
Referências
Bibliográficas:
FONTOURA,
Paulo Roberto Campos (1999); O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz. Brasília, FUNAG, 1999.
HARDT, Michael;
NEGRI, Antonio (2004); Multitude: war and democracy in the age of Empire.
New York ,
The Penguin Press.
KALDOR, Marry
(2001); Las Nuevas Guerras: la violencia organizada em la era global;
Tradução de Maria Luisa Rodríguez Tapia; Barcelona .
Paulo Gustavo Pellegrino Correa é doutorando em ciência Política
na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e professor do curso de Relações
Internacionais das Faculdades metropolitanas Unidas- FMU ( paulogustavo@hotmail.com)
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Respostas to “A Intervenção militar na Líbia: aspectos e dilemas das Novas
Guerras, por Paulo Gustavo Pellegrino Correa”
Professor Paulo, se a minha leitura não
estiver enviesada, creio que o aspecto que abrange a questão é um tanto mais
delicado no que tange a legitimidade não só da ONU como organização
multilateral em si, mas da própria ação dos EUA como potência hegemônica do
sistema internacional. Na tese do sociólogo Michel Mann “O Império da incoerência”,
o autor alega que os EUA vem exercendo um novo militarismo dentro do sistema
internacional e que este vem causando mais guerras e multiplicando o
desenvolvimento de terroristas internacionais, a tese foi elaborada depois dos
atentados de 11 de setembro de 2001 e tanto Mann quanto Wallerstein [apesar de
alumas discrepâncias téoricas] entendem que os EUA está promovendo a guerra
para conter o desgaste e crise econômica que têm início desde a década de 1970
e que agenda Bush só aprofundou, muito embora a política externa
norte-americana tenha ganhado “colorações” multilaterais no governo Obama,
poucas mudanças foram de fato efetuadas como a invasão da Líbia e a manutenção
das tropas no Afeganistão e Iraque demonstraram por si mesmas, ademais pensar
em armar os revolucionários líbios não coloca em cheque o papel do Estado e
definição de terrorismo a qual é atribuída a muitos movimentos sociais de
caráter nacionalistas? Creio que estas questões devem ser tratadas com o máximo
de cuidado e atenção pois, apontam para uma direção no sistema mundo onde o
caos e a violência são exacerbados pelo unilateralismo estúpido da potência
hegemônica…
As intervenções humanitárias, para
salvaguardar direitos humanos, num Estado em litígio, por solicitação (por qual
dos dois lados?), ou por intromissão, considerando a Líbia, e tendo como
apeladas as ONU ou OTAN(esta já desfocada da sua área de atuação), uma ou
outra, ou e, já são por si disfuncionais.
Nesse caso específico não há o foco de direitos humanos a defender, basta observar-se a hegemonia dos EUA sobre os dois órgãos, predominantemente sobre o primeiro. Quando o Presidente dos EUA fala como ventriloquo do Presidente da ONU, grupos se sobrepondo, cada um aplicando seu poder sobre outros, e no final, sempre o primeiro pondo o seu veto ou seu aprovo e liquidando a questão com autoridade imperial. O reverso do respeito democrático à investidura societária da membresia. Basta isso para desqualificar essas duas Instituições para o desempenho dessa atribuição. A ser verdade, está, ou já passou da hora de dissidentes criarem outra força emulante, o que seria bem saudável.
Nesse caso específico não há o foco de direitos humanos a defender, basta observar-se a hegemonia dos EUA sobre os dois órgãos, predominantemente sobre o primeiro. Quando o Presidente dos EUA fala como ventriloquo do Presidente da ONU, grupos se sobrepondo, cada um aplicando seu poder sobre outros, e no final, sempre o primeiro pondo o seu veto ou seu aprovo e liquidando a questão com autoridade imperial. O reverso do respeito democrático à investidura societária da membresia. Basta isso para desqualificar essas duas Instituições para o desempenho dessa atribuição. A ser verdade, está, ou já passou da hora de dissidentes criarem outra força emulante, o que seria bem saudável.
Muito interessante a forma como o
assunto é problematizado. Parabéns!
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