sexta-feira, 11 de março de 2016





O silêncio chinês e o caso da venda de mísseis a Taiwan, por Michael Dantas

Ao contrário do que a leitura desatenta do título da análise poderia indicar, os dois temas do título não tratam de um mesmo momento nem de uma mesma linha de política externa adotada pelo governo chinês. Pelo contrário, o primeiro é a metáfora da de um comportamento que por muito tempo caracterizou o escopo de decisões do governo chinês em espaços de discussão e situações de relevância em segurança internacional, enquanto o segundo resume o embróglio que demonstrou que o silêncio chinês já não ecoa como antes.
Em primeiro lugar, deve-se entender por “silêncio chinês” a omissão ou abstenção, ao menos no campo formal, diante de uma série de assuntos e debates da agenda de segurança que por muito tempo, com destaque para o período da Guerra Fria, representou a linha de política externa adotada pela China. Os inúmeros votos de abstenção e o baixo índice de vetos no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mesmo em assuntos controversos para o governo chinês, são algumas das expressões máximas de tal comportamento. Ademais, o não-posicionamento, isolamento, ou adoção de neutralidade em diversas situações também foram notáveis bem como o contraste entre a incessante busca pela exportação do modelo socialista por parte dos soviéticos em comparação com o socialismo contido dos chineses.
Várias “situações de silêncio” e da própria adoção de tal tipo de política abarcam um período histórico longo e contextos, condições e pressupostos sociais e políticos que fogem do escopo de uma análise de conjuntura. Todavia, é necessário ressaltar, assumindo um comportamento interessado e racional por parte do governo chinês, algumas das principais motivações para a adoção das mesmas para que depois possam ser contrastadas com a atual conjuntura de política externa chinesa, em especial no que se refere a um caso específico de defesa nacional: a venda de mísseis antibalísticos norte-americanos, dentre outros armamentos e tecnologias, para a província ou Estado de Taiwan.
Em suma, durante a Guerra Fria e mesmo nos anos iniciais que se sucederam ao fim do mundo bipolar, pode-se afirmar que a política externa de segurança chinesa buscou por diversas vezes evitar maiores conflitos e maiores comprometimentos. Não somente estava envolvida a manutenção de condições favoráveis à estabilidade do governo chinês bem como a possível criação de pressupostos ou crises que de alguma forma poderiam reverberar em solo chinês. Ademais, o posicionamento de Pequim foi igualmente notável por não produzir grandes atritos durante um período de instabilidades e incertezas. Logo, o comportamento chinês atendeu a demandas e prioridades internas e ao mesmo tempo se mostrou viável tendo em mente o contexto internacional que a rodeava.
Fosse pela concentração de esforços e olhares sob assuntos que envolviam diretamente a União Soviética e os Estados Unidos, fosse pelo aparente desinteresse chinês, a China ocupou um espaço na agenda de segurança durante a Guerra Fria desproporcional a sua importância e capacidade de ação. Contudo, tal quadro sofreu ao longo do tempo alterações que hoje podem ser tidas como, no mínimo, importantes e reestruturantes, no sentido de pautar novas prioridades e interesses por uma série de agentes relevantes, como as das que hoje se apresentam como as duas principais potências do mundo contemporâneo: a própria China e os EUA.
Em fevereiro, após o anúncio por parte do governo norte-americano do pacote de venda de armamentos no valor de 6,4 bilhões de dólares para Taiwan, com destaque para a aquisição de mísseis antibalísticos da linha Patriot, o governo chinês proclamou duras críticas, anunciou novos testes de mísseis e esfriou discussões bilaterais com Washington, afetando principalmente a possível aprovação de sanções ao governo iraniano no Conselho de Segurança.  Para a China, que considera Taiwan uma província rebelde e que, portanto, não deveria ter o status nem a capacidade de adquirir armamentos de outro Estado, a venda dos mísseis representou um ataque direto à segurança nacional, à territorialidade e à soberania chinesa. Ademais, o “silêncio chinês” sempre ecoou menos no que tange Taiwan, considerando que das poucas vezes em que o país utilizou o poder de veto no Conselho de Segurança, boa parte foi relacionada a Taiwan.
Mesmo que os EUA tenham justificado tal venda em nome da segurança e estabilidade da região, que de fato é uma prioridade em Washington, as declarações de Ma Ying-jeou, presidente da República da China, deixam claro que a tecnologia antibalística serve aos fins da defesa nacional de tal país/província, uma vez que as forças armadas chinesas mantém entre cerca de 1000 mísseis apontados para a ilha dissidente. Desse modo, pode-se afirmar que a venda gerou uma situação de crise e contestação da autoridade chinesa, que por sua vez, trouxe respostas mais enérgicas do que um perfil clássico da política de segurança chinesa apontariam.
A ameaça de esfriar as negociações acerca de uma das maiores, senão a maior, prioridades da política externa norte-americana, a adoção de sanções às empresas envolvidas na venda de armamentos a Taiwan e a suspensão da cooperação bilateral no escopo militar trazem respostas efetivas em diversos planos. Além da utilização de seus poderes e, eventualmente, de seu veto no Conselho de Segurança, as autoridades chinesas produziram ações que representaram um retrocesso nas relações bilaterais, situação pouco usual no histórico recente de relações sino-americanas, mesmo em um tema tão controverso para a China como o da ilha taiwanesa.
A situação de Taiwan corrobora com a ideia de que EUA e China devem adotar cada vez mais prioridades e políticas diferentes que os coloquem em situações de disputa por influência e poder em diversos assuntos de segurança. Entretanto, seria precipitado afirmar que situações como a do Irã ou de Taiwan representem indícios do surgimento de uma “onda de securitização”, uma vez que também envolvem interesses econômicos, ou até mesmo de um quadro de intensa e abrupta disputa geopolítica, tendo em mente outros fatores como o gigantesco quadro de trocas comerciais bilaterais.
Mais correto é analisar as ações norte-americanas em um plano de contenção da expansão chinesa, que já apresenta proporções suficientes para considerá-la em uma disputa por equilíbrio de poder na região. Não somente a venda de mísseis a Taiwan vai ao encontro de tal realidade, bem como a aproximação e intensificação de negociações com países como Paquistão, Índia e até mesmo a Rússia. Por mais que todas as questões citadas acima envolvam outros fatores, o fim do “silêncio chinês” e a política norte-americana na região são ações que, por vezes, irão em direções opostas refletindo a disputa, que apesar de feita em moldes diferentes dos da Guerra Fria, tende a ocorrer cada vez mais entre os dois gigantes, como demonstrou o caso envolvendo os mísseis norte-americanos.
Michael William Dantas Lima é Membro do Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais da Universidade de Brasília  – Pet-REL e do Laboratório de Análise de Relações Internacionais – LARI (mwdantas@gmail.com).

1 COMENTÁRIO EM O SILÊNCIO CHINÊS E O CASO DA VENDA DE MÍSSEIS A TAIWAN, POR MICHAEL DANTAS

  1. É mesmo formidável o embate sino-americano, na balança de poder, no pós guerra-fria, na ausência da bi-polaridade americano-soviética, e na ocupação deste vácuo, pela China. A psicologia oriental mongólica é diametralmente oposta à anglo-ocidental. Há similaridade no comportamento nipônico, de depois de um massacre de tal magnitude do bombardêio nuclear, êsse povo oriental esconder o brio e aceitar, até hoje, a presença ostensiva e militar da Águia ocidental, sem reclamos, enquento se reconstituia econômicamente e recebia proteção contra pretensos inimigos comuns periféricos. êsse é o comportamento psicológico, comum, do seu antagônico vizinho chinês, em relação às provocações do atual xerife ocidental refernte a Taywan. Brios escondidos e trabalho silencioso na compatibilidade do poderio econômico, da solidez bélica e do valor político internacional. Está no ponto de se sentar na balança vazia, e salientar ao mundo a condição do equilíbrio de poder, que faltava.




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