segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

DEVANEIOS - DE LÍBIA E TUNÍSIA HÁ DOIS ANOS ATRÁS

Amálgama
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Líbia, intervenção e a ideologia dos direitos humanos

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-- Rebeldes tentam resistir nas proximidades de Ras Lanuf, Líbia (foto: Kim Ludbrook/EPA) --
por Raphael Tsavkko Garcia
Assunto atual e da maior relevância em todas as discussões sobre os conflitos ou revoluções no Oriente Médio é a possível intervenção militar e no-fly zone na Líbia. De um lado aqueles que acusam as manobras pela intervenção uma tentativa dos EUA assegurarem o escoamento de petróleo do país e de novamente azeitarem sua indústria bélica; do outro, aqueles com intenções humanitárias, que defendem uma intervenção sem pensar nas consequências a longo prazo.
De certa maneira ambos os lados estão corretos. Sim, estamos diante de um avanço significativo das tropas do ditador Khadafi, mas sabemos que uma intervenção dos EUA jamais será feita por respeito aos direitos humanos e pela democracia e sim pela chance de conquistar.
O foco dos questionamentos, ao meu ver, está totalmente errado.
Nem adianta chorar pelos direitos humanos alheios, esperando por uma intervenção que causará milhares de mortes e poderá destruir a infra-estrutura do país e deixar cicatrizes profundas, e muito menos adianta espernear dizendo que o melhor é deixar que os líbios resolvam seus problemas, como se a comunidade internacional não tivesse qualquer responsabilidade pela situação (a mesma comunidade que enxotou a Líbia do cenário internacional e depois a recebeu de braços abertos de olho no petróleo e dinheiro líbios — nada mais hipócrita).
Sobre este ponto, o professor Reginaldo Nasser foi certeiro:
Na verdade, a chamada comunidade internacional não é uma comunidade: são os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, tal. O Mubarak foi aceito por eles há muito tempo e o Gadaffi adotaram recentemente, desde 2003. Essa reintrodução do Gadaffi na comunidade internacional foi feita num acordo muito bom para as duas partes. As reservas de petróleo da Líbia tornaram-se cada vez mais exploradas, pela Shell, BP, Exxon, etc. O Gadaffi declarou que estava suspendendo toda e qualquer forma de produção de armas de destruição em massa, que é uma obsessão dos Estados Unidos. O Huffington Post mostrou o lobby pró-Líbia dentro do Congresso americano, um lobby que já existia antes da suspensão. Um lobby que envolve petróleo, indústria de armas e universidades.
Do lado dos defensores dos direitos humanos, acima de tudo temos a defesa da intervenção a qualquer custo, como se ela fosse a tábua de salvação da Líbia, e do lado dos não-intervencionistas, o longo prazo de uma ação dos EUA seria muito pior quantitativa e qualitativamente para a Líbia e para toda a região.
Diz Daniel Lopes aqui no Amálgama:
Rebeldes batendo em retirada de Ras Lanuf também pedem para a ONU impôr a zona de exclusão aérea. E a Liga Árabe, que se reuniu neste final de semana no Cairo, aderiu à ideia. Por fim, confiram as esperanças das mulheres de Benghazi, nesse vídeo da Al Jazeera. O que aconteceria com essas pessoas se os bandidos de Kadafi chegassem até a cidade?
De fato, os líbios pedem ajuda. Mas é preciso ter em mente: Que ajuda? O bombardeio da infra-estrutura líbia ajudaria, em longo prazo, o povo, ou apenas os tornaria reféns de investimentos estrangeiros e das potências ocidentais? Trocariam um ditador por outro?
Mas, ao mesmo tempo, como discordar de Antônio Costa?
O maior risco – que não tem paralelo na situação europeia de 1848 – é o de uma intervenção direta dos Estados Unidos. É uma loucura, mas crises de abstinência provocam loucuras e o país não se mostra disposto a se livrar de sua dependência do petróleo, nem sequer a admitir ser ela um problema. E é perfeitamente possível, dados o histórico do Iraque e a movimentação de navios e marines em torno da Líbia, que indica, no mínimo, que o dedo no gatilho está coçando. Seguramente seria desastrosa, graças à absoluta incapacidade dos EUA de entender o ponto de vista dos países muçulmanos e atuar de maneira politicamente consequente no longo prazo, seja no Afeganistão, seja no Iraque, no Paquistão, na Líbia ou na Arábia Saudita.
E também temos líbios que rechaçam a intervenção.
Mas, o discurso sobre a intervenção está deslocado. A questão em si não é discutir se haverá intervenção, mas qual intervenção. Está claro que aqueles que vão contra a invasão dos EUA vão contra a ação deste único país, investido ou não de poder pela ONU, de se apoderar do petróleo líbio. O problema não está na intervenção, que a cada dia se prova mais necessária, mas em quem liderará ou mesmo em quem agirá sozinho em uma possível investida armada contra Khadafi.
O discurso ideologizado desta forma não serve a ninguém, apenas aos EUA, que se impõem como salvadores frente à crise humanitária que se desenha, enquanto seus detratores não apresentam propostas viáveis, como uma ação coletiva das Nações Unidas com comando compartilhado.
Vale lembrar que a Rússia se opõe abertamente a qualquer intervenção, pois sabe que, sob comando dos EUA, este último se apoderará do petróleo. Os BRICS também assinalam sua discordância, e ficamos numa verdadeira sinuca quando vemos a necessidade de uma ação mais forte frente ao ditador, mas não podemos permitir que os EUA tomem a frente, como fizeram no Iraque e no Afeganistão, deixando para trás apenas o caos.
A argumentação de Daniel Lopes, diferenciando a intervenção aberta de uma intervenção apenas para garantir uma zona de segurança (ou uma no-fly zone), argumentando que foi isto que garantiu aos curdos não serem dizimados, esbarra no fato de que as armas usadas pelos iraquianos para atacar os curdos (armas químicas em sua maioria) foram dadas a eles pelos próprios EUA! Tratava-se apenas de um jogo de cena entre amigos.
Aqui, a situação é outra e, novamente, concordo com o professor Nasser:
Eles estão corretíssimos em rejeitar intervenção estrangeira. O Conselho de Segurança da ONU pode votar e autorizar uma intervenção coletiva. A autorização é do Conselho, mas as tropas são de cada país. Em todo e qualquer caso, os Estados Unidos aparecem como os que têm mais condições e vontade de se envolver nos conflitos.
Temos, aliás, uma situação interessante: a de uma iminente guerra civil em que se fala em intervenção. Isto é algo sem precedentes ou, no máximo, semelhante ao Haiti, um país pouco ou nada relevante. Em uma guerra civil é papel das potências, da ONU e da chamada comunidade internacional negociar, como fez com Darfur ou com o Sudão do Sul, mas não intervir.
Os próprios rebeldes líbios já se preparam para a guerrilha, como informa Walter Maierovitch e, se de fato há um anseio por intervenção, os olhos se voltam não para os EUA, mas para a França.
O libanês As’ad AbuKhali (The Angry Arab) é outro a apontar os problemas de uma itervenção:
The voices for military intervention in Libya are now increasingly alarming and suspicious. I get more suspicious when I read the liberal (read always Zionist) commentators screaming for direct military intervention when those same people never showed any concern for Arab victims before, especially during Israeli war crimes sprees.
Ele ainda completa afirmando que não cabe ao “ocidente” ensinar aos árabes como viver ou como resolver seus problemas, especialmente quando estes neo-defensores dos árabes são notórios sionistas, logo, criminosos.
Temos uma gama de intelectuais de grande relevância que lançaram manifesto contra a intervenção.
A defesa dos direitos humanos deve ser sempre uma bandeira, mas não sem que haja uma profunda reflexão sobre que direitos humanos são esses, a quem servem e a quem beneficiam. Direitos humanos nas relações internacionais, especialmente em se tratando de EUA, são seletivos e toda ação pensada pelos estadunidenses tendo em vista a defesa desta bandeira deve ser longamente analisada.
Sim, talvez seja a hora de uma intervenção, mas não, não uma intervenção “humanitária” comandada pelos EUA. É preciso pesar os prós e os contras de uma intervenção e mesmo entender se há total necessidade, se os rebeldes não poderiam ser municiados de outra forma, se a ONU não poderia intervir com força de paz e mesa de negociação.
Assusta e surpreende a velocidade com a qual os EUA descartaram Khadafi, ou seja, há algo estranho no ar e a defesa dos EUA da imposição de uma no-fly zone e mesmo de uma intervenção completa salta aos olhos como uma aberração que pode também nos lembrar do Kosovo, onde a OTAN interviu sem permissão da ONU, ou mesmo do Iraque, onde os EUA sozinho invadiram e dominaram o país à revelia mesmo do Conselho de Segurança.
Os EUA já estão esgotados depois do Iraque e do Afeganistão e os motivos para apoiarem de forma tão entusiasmada uma invasão na Líbia só pode significar que os interesses no país e na região superam os contras de tal ação. Devemos nos lembrar que toda a região se encontra em crise e em processos revolucionários e não seria de estranhar que os EUA tivessem a clara intenção de terem um posto avançado para suas ações na Líbia, a fim de não dependerem unicamente de governos amigos ou nem tão amigos.
Antes de se pensar em intervenção é preciso contabilizar opções, além de se apoiar na ONU para qualquer decisão. Claro, não podemos ser inocentes ao ponto de pensar que uma intervenção com a “comunidade internacional” seria positiva apenas tendo em conta a suposta boa vontade dos países envolvidos, mas sem dúvida seria mais segura para os líbios do que um voo solo dos EUA. Além disso, as opções alternativas não estão esgotadas.
Os rebeldes ainda lutam e cedem terreno à espera de reforços (armamento, financiamento, treinamento, etc.) vindos de fora. A intervenção deve ser a última arma e, se chegar o momento, deve ser feita através de uma ampla coalizão internacional e sob os auspícios das Nações Unidas.
Jornalista e blogueiro. Formado em Relações Internacionais (PUC-SP) e Mestrando em Comunicação (Cásper Líbero), escreve o Blog do Tsavkko, é autor e tradutor do Global Voices Online e escreve a coluna semanal "Defenderei a casa de meu pai" no Diário Liberdade.
Raphael Tsavkko Garcia
1.    Edélvio Coêlho Lindoso
Obrigado. Seu comentário será liberado em breve.
Primeira etapa sair do jugo do Kadafi; Segunda, submeter a nova governança a escrutínio popular; Terceira, afastar macaqueamento de rotular por exemplo, de Democracia, a nova ordem. É interessante uma carta constitucional, para padrão legal de direitos e deveres de todo o grupo social. Lembram-se dos Déspotas Esclarecidos, pós-iluminismo, em Inglaterra e França  nos séc. 17 e 18? Não era uma democracia grega, mas não era um absolutismo opressor e massacrante. O governante do real poder se assessorava com sábios, filósofos, matemáticos, físicos, mentes brilhantes, com o respeito dos súditos. Processualmente evoluíram, pagaram pedágio, viraram república e chegaram no estágio que o ocidente acha o máximo onde pode chegar o exercício político, a tal Democracia, uma liberal, outra mais fechada, e nenhuma garantindo o objeto da paz, nem interna, nem externa, na maioria para consumo nacional e pouco para exportação.
Que tunisianos, egípcios e líbios ainda no começo saibam agradecer cavalheirescamente aos anglo-sion-americanos, o que for que lhe tenham dado para livrança de seus títeres e peça-lhes que se afastem para bem longe de seus edges. Rejeitem absolutamente suas ofertas de proteção, de educação, armação e treinamento militar. Esses trejeitos são a vaselina para o estupro.
A receita para a paz,  cada macaco no seu galho e o comércio a melhor arma para subjugar a violência.


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