14-03-2011 | Mundo
Líbia,
intervenção e a ideologia dos direitos humanos
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por
Raphael Tsavkko Garcia
Assunto atual e da maior relevância em
todas as discussões sobre os conflitos ou revoluções no Oriente Médio é a
possível intervenção militar e no-fly zone na Líbia. De um lado aqueles que
acusam as manobras pela intervenção uma tentativa dos EUA assegurarem o
escoamento de petróleo do país e de novamente azeitarem sua indústria bélica;
do outro, aqueles com intenções humanitárias, que defendem uma intervenção sem
pensar nas consequências a longo prazo.
De certa maneira ambos os lados estão corretos. Sim,
estamos diante de um avanço significativo das tropas do ditador Khadafi, mas
sabemos que uma intervenção dos EUA jamais será feita por respeito aos direitos
humanos e pela democracia e sim pela chance de conquistar.
O foco dos questionamentos, ao meu ver, está
totalmente errado.
Nem adianta chorar pelos direitos humanos alheios,
esperando por uma intervenção que causará milhares de mortes e poderá destruir
a infra-estrutura do país e deixar cicatrizes profundas, e muito menos adianta
espernear dizendo que o melhor é deixar que os líbios resolvam seus problemas,
como se a comunidade internacional não tivesse qualquer responsabilidade pela
situação (a mesma comunidade que enxotou a Líbia do cenário internacional e
depois a recebeu de braços abertos de olho no petróleo e dinheiro líbios — nada
mais hipócrita).
Sobre
este ponto, o professor Reginaldo Nasser foi certeiro:
Na verdade, a chamada comunidade internacional não é
uma comunidade: são os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, tal. O Mubarak
foi aceito por eles há muito tempo e o Gadaffi adotaram recentemente, desde
2003. Essa reintrodução do Gadaffi na comunidade internacional foi feita num
acordo muito bom para as duas partes. As reservas de petróleo da Líbia
tornaram-se cada vez mais exploradas, pela Shell, BP, Exxon, etc. O Gadaffi
declarou que estava suspendendo toda e qualquer forma de produção de armas de
destruição em massa, que é uma obsessão dos Estados Unidos. O Huffington Post
mostrou o lobby pró-Líbia dentro do Congresso americano, um lobby que já
existia antes da suspensão. Um lobby que envolve petróleo, indústria de armas e
universidades.
Do lado dos defensores dos direitos humanos, acima de
tudo temos a defesa da intervenção a qualquer custo, como se ela fosse a tábua
de salvação da Líbia, e do lado dos não-intervencionistas, o longo prazo de uma
ação dos EUA seria muito pior quantitativa e qualitativamente para a Líbia e
para toda a região.
Rebeldes batendo em retirada de Ras Lanuf também pedem para a ONU
impôr a zona de exclusão aérea. E a Liga Árabe, que se reuniu neste final de
semana no Cairo, aderiu à ideia. Por fim,
confiram as esperanças das mulheres de Benghazi, nesse vídeo da Al Jazeera. O que
aconteceria com essas pessoas se os bandidos de Kadafi chegassem até a cidade?
De fato, os líbios pedem ajuda. Mas é preciso ter em
mente: Que ajuda? O bombardeio da infra-estrutura líbia ajudaria, em longo
prazo, o povo, ou apenas os tornaria reféns de investimentos estrangeiros e das
potências ocidentais? Trocariam um ditador por outro?
O maior risco – que não tem paralelo na situação
europeia de 1848 – é o de uma intervenção direta dos Estados Unidos. É uma
loucura, mas crises de abstinência provocam loucuras e o país não se mostra
disposto a se livrar de sua dependência do petróleo, nem sequer a admitir ser
ela um problema. E é perfeitamente possível, dados o histórico do Iraque e a
movimentação de navios e marines em torno da Líbia, que indica, no mínimo, que
o dedo no gatilho está coçando. Seguramente seria desastrosa, graças à absoluta
incapacidade dos EUA de entender o ponto de vista dos países muçulmanos e atuar
de maneira politicamente consequente no longo prazo, seja no Afeganistão, seja
no Iraque, no Paquistão, na Líbia ou na Arábia Saudita.
E também
temos líbios que rechaçam a
intervenção.
Mas, o discurso sobre a intervenção está deslocado. A
questão em si não é discutir se haverá intervenção, mas qual intervenção.
Está claro que aqueles que vão contra a invasão dos EUA vão contra a ação deste
único país, investido ou não de poder pela ONU, de se apoderar do petróleo
líbio. O problema não está na intervenção, que a cada dia se prova mais
necessária, mas em quem liderará ou mesmo em quem agirá sozinho em uma possível
investida armada contra Khadafi.
O discurso ideologizado desta forma não serve a
ninguém, apenas aos EUA, que se impõem como salvadores frente à crise
humanitária que se desenha, enquanto seus detratores não apresentam propostas
viáveis, como uma ação coletiva das Nações Unidas com comando compartilhado.
Vale lembrar que a Rússia se opõe abertamente a
qualquer intervenção, pois sabe que, sob comando dos EUA, este último se
apoderará do petróleo. Os BRICS também assinalam sua discordância, e ficamos
numa verdadeira sinuca quando vemos a necessidade de uma ação mais forte frente
ao ditador, mas não podemos permitir que os EUA tomem a frente, como fizeram no
Iraque e no Afeganistão, deixando para trás apenas o caos.
A argumentação de Daniel Lopes, diferenciando a
intervenção aberta de uma intervenção apenas para garantir uma zona de
segurança (ou uma no-fly zone), argumentando que foi isto que garantiu
aos curdos não serem dizimados, esbarra no fato de que as armas usadas pelos
iraquianos para atacar os curdos (armas químicas em sua maioria) foram dadas a
eles pelos próprios EUA! Tratava-se apenas de um jogo de cena entre amigos.
Aqui, a situação é outra e, novamente, concordo com o
professor Nasser:
Eles estão corretíssimos em rejeitar intervenção
estrangeira. O Conselho de Segurança da ONU pode votar e autorizar uma
intervenção coletiva. A autorização é do Conselho, mas as tropas são de cada
país. Em todo e qualquer caso, os Estados Unidos aparecem como os que têm mais
condições e vontade de se envolver nos conflitos.
Temos, aliás, uma situação interessante: a de uma
iminente guerra civil em que se fala em intervenção. Isto
é algo sem precedentes ou, no máximo, semelhante ao Haiti, um país pouco ou
nada relevante. Em uma guerra civil é papel das potências, da ONU e da chamada
comunidade internacional negociar, como fez com Darfur ou com o Sudão do Sul,
mas não intervir.
Os próprios rebeldes líbios já se preparam para a
guerrilha, como informa Walter
Maierovitch e, se de fato há um anseio por intervenção, os olhos se voltam não
para os EUA, mas para a França.
The voices for
military intervention in Libya
are now increasingly alarming and suspicious. I get more suspicious when I read
the liberal (read always Zionist) commentators screaming for direct military
intervention when those same people never showed any concern for Arab victims
before, especially during Israeli war crimes sprees.
Ele ainda completa afirmando que não cabe ao
“ocidente” ensinar aos árabes como viver ou como resolver seus problemas,
especialmente quando estes neo-defensores dos árabes são notórios sionistas,
logo, criminosos.
Temos uma gama de intelectuais de grande relevância
que lançaram manifesto contra a intervenção.
A defesa dos direitos humanos deve ser sempre uma
bandeira, mas não sem que haja uma profunda reflexão sobre que direitos humanos
são esses, a quem servem e a quem beneficiam. Direitos humanos nas relações
internacionais, especialmente em se tratando de EUA, são seletivos e toda ação
pensada pelos estadunidenses tendo em vista a defesa desta bandeira deve ser
longamente analisada.
Sim, talvez seja a hora de uma intervenção, mas não,
não uma intervenção “humanitária” comandada pelos EUA. É preciso pesar os prós
e os contras de uma intervenção e mesmo entender se há total necessidade, se os
rebeldes não poderiam ser municiados de outra forma, se a ONU não poderia
intervir com força de paz e mesa de negociação.
Assusta e surpreende a velocidade com a qual os EUA
descartaram Khadafi, ou seja, há algo estranho no ar e a defesa dos EUA da
imposição de uma no-fly zone e mesmo de uma intervenção completa salta
aos olhos como uma aberração que pode também nos lembrar do Kosovo, onde a OTAN
interviu sem permissão da ONU, ou mesmo do Iraque, onde os EUA sozinho
invadiram e dominaram o país à revelia mesmo do Conselho de Segurança.
Os EUA já estão esgotados depois do Iraque e do
Afeganistão e os motivos para apoiarem de forma tão entusiasmada uma invasão na
Líbia só pode significar que os interesses no país e na região superam os
contras de tal ação. Devemos nos lembrar que toda a região se encontra em crise
e em processos revolucionários e não seria de estranhar que os EUA tivessem a clara
intenção de terem um posto avançado para suas ações na Líbia, a fim de não
dependerem unicamente de governos amigos ou nem tão amigos.
Antes de se pensar em intervenção é preciso
contabilizar opções, além de se apoiar na ONU para qualquer decisão. Claro, não
podemos ser inocentes ao ponto de pensar que uma intervenção com a “comunidade
internacional” seria positiva apenas tendo em conta a suposta boa vontade dos
países envolvidos, mas sem dúvida seria mais segura para os líbios do que um
voo solo dos EUA. Além disso, as opções alternativas não estão esgotadas.
Os rebeldes ainda lutam e cedem terreno à espera de
reforços (armamento, financiamento, treinamento, etc.) vindos de fora. A
intervenção deve ser a última arma e, se chegar o momento, deve ser feita
através de uma ampla coalizão internacional e sob os auspícios das Nações
Unidas.
Jornalista e blogueiro. Formado em Relações Internacionais
(PUC-SP) e Mestrando em Comunicação (Cásper Líbero), escreve o Blog do Tsavkko,
é autor e tradutor do Global Voices Online e escreve a coluna semanal "Defenderei a casa de meu
pai" no Diário Liberdade.
Raphael
Tsavkko Garcia
1.
Edélvio Coêlho Lindoso
Obrigado.
Seu comentário será liberado em breve.
Primeira etapa sair do jugo do Kadafi;
Segunda, submeter a nova governança a escrutínio popular; Terceira, afastar macaqueamento
de rotular por exemplo, de Democracia, a nova ordem. É interessante uma carta
constitucional, para padrão legal de direitos e deveres de todo o grupo social.
Lembram-se dos Déspotas Esclarecidos, pós-iluminismo, em Inglaterra e França nos séc. 17 e 18? Não era uma democracia grega,
mas não era um absolutismo opressor e massacrante. O governante do real poder
se assessorava com sábios, filósofos, matemáticos, físicos, mentes brilhantes,
com o respeito dos súditos. Processualmente evoluíram, pagaram pedágio, viraram
república e chegaram no estágio que o ocidente acha o máximo onde pode chegar o
exercício político, a tal Democracia, uma liberal, outra mais fechada, e
nenhuma garantindo o objeto da paz, nem interna, nem externa, na maioria para
consumo nacional e pouco para exportação.
Que tunisianos, egípcios e líbios ainda
no começo saibam agradecer cavalheirescamente aos anglo-sion-americanos, o que
for que lhe tenham dado para livrança de seus títeres e peça-lhes que se
afastem para bem longe de seus edges. Rejeitem absolutamente suas ofertas
de proteção, de educação, armação e treinamento militar. Esses trejeitos são a
vaselina para o estupro.
A receita para a paz, cada macaco no seu galho e o comércio a
melhor arma para subjugar a violência.
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