Memórias de infância e interpretações doentias de pecado. Comportamento próprio entre minorias, seja do que for. 1947. Eramos os crentes. Tinha eu doze anos. Íamos a família, seis pessoas, do arrabalde da Torre, em Recife, para cidade de Olinda onde meu pai era pastor na Igreja Batista. Seis famílias acolhiam cada um de nós até o retorno à noite. Eu ficava no Varadouro na casa de uma senhora bastante idosa, onde tinha um menino bastante pequeno e à tarde sem nada o que fazer começavam os demoniozinhos as suas tentações.
Eu saia e na praça Duarte Coelho tinha um cinema, antro do pecado para nós. Eu lutava para não ceder e ir para o inferno. Comprava um, não dois, embrulhozinhos de "bidubin", um torrado e outro cozinhado, e enfrentava aforça do mal. Meninos da minha idade e até menores ficavam em pé na frente da primeira bancada em baixo do telão. Era uma gritalhada, entulho de papeis e cascas dos amendoins no chão, Cheiro forte e zumbido mais forte ainda. Todos de cabeças erguidas para ver a imagem destorcida e nem interessava o bang-bang do bandido, do xerife, do mocinho...
Eita pecadão.Á noite no culto, primeira semana do mês, a comunhão. Eu já pertencia à membresia e até hoje não reconheço a responsabilidade. Ficava inquieto mas sabia que não estando em condição moral com o meu Deus mediante tão grande pecado de ter entrado em tão pecaminoso lugar, não poderia comungar. Meu pai ria saber se não me escafedesse. Que sofrimento. Saia e me escondia num lugar fora do templo e cometia neste dia meu segundo pecado, Pai do Céu! E o fogo do inferno doía muito? Aflição, dor na consciência, medo da perdição.
Não sei o resultado desses conflitos em que prejuízos ou benefícios me valeriam. O reconhecimento da infração contra o Criador era bom sinal; a escapada sutil e covarde era indiciadora e fatal. E nesse balanceio o que sobraria para formação do meu conceito de homem do bem? Uma infelicidade só, um desnorteio, uma pequeneza de caráter. Choramingava à sós, temia o satanás, mais do que ao Deus. Não era bom na bola de gude, no papagáio, pior ainda; Jogava com minha bola furada, certamente porque ela era minha. Bom, ia pegar guaiamum com umas ratoeiras que fazia. Pronto.
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