quarta-feira, 4 de maio de 2016

DEVANEIOS- DE MEUS NOVE ANOS (1) (040514)

Tenho Cara De Antigamente, Quando Aos Nove Anos Está-Se Descobrindo O Mundo
ESCORREGOS ACONTECEM NESTA IDADE

domingo, 4 de maio de 2014


DEVANEIOS - DE MEUS 9 ANOS - (1) (040514)

Minha Casa à  D, Parque Amorim, 1501, Recife - PE, entre 1940/1946
Ao Centro 
Rua Joaquim Nabuco, onde desfilou o féretro de Demócrito e os pracinhas da FEB
à  E, Igreja da Capunga

M E M Ó R I A



Mirtô e Marlu, Edélvio (eu) e  Élvio -1943 (quatro irmãos)
Em Baixo, Edélvio (eu), Marlu, Élvio e atrás Mirtô

Em Baixo, (eu) Edélvio, o biografado


Estou ai, sentadinho em cima de meus nove anos, doido para voltar `'a minha normalidade impulsiva, mesmo quando me taxavam de "impossível".  O joelho casquento me entrega.  A cara de anjo é um disfarce da minha incomodação, desde que me cortaram as asas.  Vejam que chique que me fez o Davi, seminarista (protestante) no seu internato e na sua maldita timidez de alfaiate;  aquele escudo bordado colorido sobre o bolso do paletó;  a camisa de seda e a minha inocência mesmo assentada num azougue.  Eu era feliz, menos quando estava no castigo;  meu pai não tinha noção do tempo no uso da palmatória e se a apenação fosse ficar sentado numa cadeira de espaldar altíssimo, permitia-me um travesseiro sobre as coxas, as costas me doíam, eu dormia, me agachava sem descer daquele trono e ele não se comovia e acho que tinha amnésia.

Esse conjunto me acompanhou por muitos anos;  ao domingo, o levava ao banheiro e o punha sobre uma cadeira.  Aos gritos cantava "Helena, Helena vem me consolar" e levava um tempo imenso naquele desentoo e me esfregava com muito sabonete Eucalol, depois que guardava suas estampas com a mitologia grega toda impressa, que "seu" Edgar da Loja Azul lá em Olinda,  guardava pro seu freguês quando eu ia lá pagar o que devia.  Esse hábito de respeito pelo patrimônio alheio que guardo até hoje, é a resposta desse ato de conluio de meu Pai com o "seu" Edgar que nos dava conta de crédito avalizada e nos incutia seriedade nas relações comerciais.  `'A cada um dos quatro irmãos que deixava de urinar no colchão, Papai nos dava uma cama "Patente", linda de viver. e a minha era "cinta azul".  Eu tinha sensibilidade de navegar nessa coisas de cada dia e saboreava seu valor, com devoção.

O risco que corre o pau, corre o machado e meu conjunto que tanta alegria me dava na Escola Dominical, nos autos de Natal e tudo mais, foi testemunha de algum fato muito triste e fortemente registrado por mim, naquela infância-adulta.  Nós quatro éramos livres para ir onde quisesse;  Naquele tempo, não fosse a guerra, que não nos impressionava com seu valor funesto, tínhamos Paz Social, isto é, não se via a hediondez e brutalidade que se vê hoje.  Eu ia com meus nove anos e voltava sem arranhá-lo.  Cumprida as obrigações religiosas da manhã do domingo, saia eu com meus mistérios, segredos só meus.  Uma coisa confesso, em se tratando de memórias, em nossa casa não se via muita afetividade, era cada um por si, assim eramos os quatro, cada qual com seus amigos pelos quatro cantos.  Almocei e sai com meu terno branco;  domingo, dia morto, tudo sem vida.  Passei em frente da Igreja da Capunga, fechada.  Fechados os portões imensos do CAB.  Na lateral da igreja, o Pingalho fechado, mórbido com o cheiro que vazava por baixo da entre-porta, de aguardente ardida que os bêbados jogavam ao chão em louvor dos espíritos.  Lá adiante entornei `a direita;  A Baixa Verde, um baixio lodento, insalubre, sempre úmido e molhado.  Lá morava Mathanias, minha colega de CAB e também Gladstone, um gordinho atarracado, mais velho que eu, filho de um coronel da Polícia, também baixinho;  seu filho era míope severo, consumia perenemente X-9, revista de detetives e sem desenhos que nem me agradava, mas ele me deixava ouvir num rádio de baquelite, que tinha de se esperar que aquecesse as válvulas para ter som, e um cheiro bom invadia a sala, as aventuras de Tarzan e O Vingador.  Que boas memórias essas.

La adiante estava no Jardim do Derby, passeio lorde de recifenses classe A.  Minha mentira era um bico de pão dormido em um bolso e uma linha em torno do pulso que descia com um alfinete encurvado e preso à linha pela cabeça, onde eu punha sobre a água de um grande tanque que lá havia começando do chão até meu peito e eu olhando pro céu solenemente deixava o guarda passar por minhas costas.  Piabas enchiam aquele tanque e curtiam pão dormido e por sua gulodice perdiam também a vida.  Quanto pecado meu para uma tarde de domingo!  Que Deus me perdoe e também a piabinha;  não tinha eu noção do assassinato que cometia, para depois deixá-la morta na areia.  O castigo viria já.  Andava, corria, olhava tudo, sempre sozinho, sentia a brisa e o vento no bambual e ia até o loré.  Era uma enorme tábua com duas alças em cada cabeceira, com um meninão grande de cada  lado impulsionando-a às alturas e o miolo cheio, cheinho mesmo, de meninos;  e quem estava lá no meio?  Eu, de paletó e tudo;  com medo, mas aguerrido.  Uma gritaria insana e lá eu me despenquei e o ferro da alça rompeu a lateral de minha calça de alto a baixo.  Eu berrava, mas de vergonha, de poder ter as minhas vergonhas expostas.

Corria com uma mãozita segurando as duas abas do que agora mais parecia uma saíta.  E fazia o inverso do passeio;  Derby, Baixa Verde, Pingalho, Capunga, CAB  e entrando de chofre casa
à dentro, num choro copioso, mas agora do castigo que poderia ter.  Quem estava lá, como meu anjo guardião, era meu Tio Artur, branquinho, franzinozinho, de roupa branca no seu comum, de barbas e bigodes brancos e de um coração-ternura do tamanho de uma mãe.  mandou-me trocar de roupa e providenciou o conserto daquela traiçoice sem que ninguém mais soubesse;  e me deu colo, me deu afago, apertou-me a mão;  e que angústias não cessam com tal emplastro?

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