terça-feira, 3 de maio de 2016

DEVANEIOS -DE ZEFA ARUBÚ E ZÉ MOUCO

Tenho Cara De Antigamente, Quando Alienados Já Passavam Incógnitos Entre Nós
BEM DITO,  NÓS OS VÍAMOS SEM QUERER ENXERGÁ-LOS

Mão,Quando É Mãe

M E M Ó R I A-1947

Quero resgatar, com vergonha e com tristeza, uma obrigação não feita, nestas lembranças que me ocorrem sempre, nestes sessenta e nove anos passados, da D. Zefa e do Sr. Zé, que  os via, como se não os visse, e sequer nas minhas orações me lembrasse deles, levando em conta que nem pessoalmente ou fisicamente os registrasse como participantes de minha paisagem.  A maldade humana já é presente desde a infância, mesmo que só por imitação, quando eu olhava e cuspia à vista do estrupício de gente, vizinho quase próximo, envolta em trapos mal-cheirosos.

Arrastando chinelos que de nada a protegiam, se baixava procurando pedras que não existiam, provando que nos via e que esse era seu protesto, mais do que suas necessidades.  Quanto ganhávamos por fazer aquilo e quanto ela perdia por se ver assim?  Todos os dias ela fazia aquele trajeto, subindo e descendo a rampa que a levava ao baixo do beira rio, da maré do Capibaribe, casebre de taipa sobre a lama negra e empedrada, reluzente, com um papelão como porta, um único espaço e mais nada.  Não sei o que havia ali dentro, se algum anjo zelava por ela.

Se ela comia, se descomia;  se se banhava, isto acho que não.  Ela não esmolava;  quem era o seu sustento?  Vivia naquele rito, muito precisando mas sem mais querer, mas se me via, como não via o tempo passar;  teria ela esperança, teria paciência, teria paz, teria Deus?  Deus que perdoe à nós crianças que cuspíamos desprezo e nojo à um talvez anjo caído, mas mesmo na nossa inocência não sentíamos o cutucar mínimo de uma ternura qualquer.  Identidade:  Ela era Zefa Arubú, conhecida de todos e por todos desprezada.  Alienada e só, sem paixão e sem filosofia.

E o Zé Mouco.  Este alienado total, egresso do mesmo endereço incerto, escondido, sem se esconder.  O que comia, quando comia?  Um copo de aguardente que o vendeiro lhe dava, não sei se lhe cobrava. Ele não ouvia e não falava, grunhia com a boca muda e contorcia constantemente o corpo, indo até o chão e subindo, levando a contorção ao rosto, ele era totalmente ausente;  sua alma só lhe provia a vida, mas não lhe dava rumo.  Este é um mundo de provação, que cada um cumpra seu "scripit".  Deus o retome na volta.  Zefa, Zé, perdoem-me com seus corações.  Não acho que mereça.

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