terça-feira, 21 de janeiro de 2014

DEVANEIOS -DE MEMORIAS -DE MEUS 12 ANOS - 011

Edélvio Coêlho Lindoso

Domingo, 16 de junho de 2013

Meus 12 anos

Bairro da Torre, rua José de Holanda-157 - ano 1947

Não é um diário de Ane Frank. São divagações que se meu retrovisor do tempo permitir posso curtir saudades. Às vezes um espelho mal esfregado, uma pequena TRINCA AO LADO, UM EMBAÇO, UM FIO DE TEIA SEM CONVITE, DETURPA UM POUCO A IMAGEM E DIFERENTEMENTE DOS FILMES AMERICANOS, AQUI NÃO HÁ O COSTUME DE A VIZINHANÇA ATACAR COM PRATINHOS COMO BOAS VINDAS. LÁ ESTAVA O CAMINHÃOZÃO E DA CABINE DESCIA UM TICO DE HOMEM. VINHAM DE LIMOEIRO. COM O TICO ESTAVAM OS FUTUROS BIU TÔCO E A MARIA TAMANQUINHO. HOJE, REVERTENDO O TEMPO, DOU MINHAS LOUVAÇOES À GENTE TÃO HUMILDE, PELO CUIDADO DE PRESERVAR PRO BIU UMA VAGA NO CAB, COLÉGIO AMERICANO BATISTA. SERIA MEU COLEGA E MEU PAI, O PASTOR LÍVIO LINDOSO, SERIA O LECTOR, NUM ENCONTRO DIÁRIO DE MEIA HORA ANTES DO RECREIO, NUMA  REUNIÃO CHAMADA LECÇÃO. MEU PAI, NUM COLÉGIO REPLETO DE JUDEUS, ERA CHAMADO DE SINAGOGA. Nunca soube se ele sabia disso. Voltando a nosso terreiro, a meninada jogava bola, na verdade uma bola de borracha furada que quando chutada ela se encolhia e quando voava tornava a se encher. Era muito bom, mas meu pai não podia saber disso. O terreno baldio  se chamava Campo do Cavalo Morto. Quando meu pai voltava das aulas, passava por esse mesmo caminho como um atalho de alguns quilômetros; todos paravam o jogo e ele que sofria de uma miopia severa me enxergava mas não me via. Minha vida de criança era divertida. O Biu Tôco era, na nossa linguagem, socado, isto é, pequeno, parrudo e forte, e jogava pesado nas divididas; eu achava que era provocação. Vai aqui uma confissão; em casa, de noite, eu chorava de raiva do medo que eu tinha dele; eu me questionava, não aceitava a minha covardia e resumia: o máximo que pode me acontecer é ser morto, mas, isso não vai acontecer. Decidido. No dia seguinte NÃO LHE DEI CHANCE, ENTREI DE EDÉLVIO QUEBRA BARRACO E O BIU TÔCO SE AFROUXOU. APRENDI QUE MUITA COISA SE GANHA NO GRITO, MAS ÀS VEZES O GRITO É MAIS DEFESA E MENOS VERDADE.

VASINGUITON

OUTRA VIZINHA, NUMA RUA PARALELA, TAMBÉM COM UM FILHO NO CAB. A ALEGRIA DELA FOI AFETADA QUANDO SOUBE QUE NO COLÉGIO TODOS O ESTAVAM CHAMANDO DE WASHINGTON. LÁ FOI ELA COM SUA AUTORIDADE DE MÃE E DEFENDEU O FILHO DIANTE DE PROFESSORA, DIRETORA, SECRETÁRIA E COLEGAS; O NOME DO MEU FILHO É VASINGUITON. NÃO ME VENHAM COM HISTÓRIA DE UOCHITO. ASSIM FOI O ENTREVERO E NÃO ME LEMBRO DO DESFECHO.

MANETA

AINDA NA TORRE PRÓXIMO À MARÉ, ISTO É, MARGEM DO RIO CAPIBARIBE A CAMINHO DA FOZ. COMO OS RIOS CORREM NA PARTE BAIXA, DIGO QUE UMA PARTE DOS MEUS  FUTUROS COLEGAS SUBIAM A RIBANCEIRA E SE ABANCAVAM NA CALÇADA ALTA DA MINHA CASA. EU  ERA O CRENTE, ELES: MANETA, DA BALA, BIU TÔCO, HERNANDES, CIÇO, TÃO E EGÍDIO. ESTE, O APOLO NEGRO QUE MORAVA NA RIBANCEIRA ALTA DO RIO, NUMA CASA COM PÁTEO DE FRENTE, DE MASSAPÉ PRETO, BRILHANTE, SOCADO E LIMPO, COM GAIOLAS PENDURADAS COM GALOS DE CAMPINA, CANÁRIOS, PINTASSILGOS, CURIÓS E O MAIS QUE SE IMAGINAR, NUM ORFEÃO DE CORES E DE SONS. TRINADOS QUE O AMARELO MANGA DO CANÁRIO ESTREMECIA NO GOGÓ; O CANTO LONGO E CURTO DO PINTASSILGO BRANCO E PRETO, O VERMELHO SANGUE E BRANCO DO CARDEAL, A COR CINZA MARRON DOS CURIÓS QUE TRINAVAM LIRICAMENTE. QUE BELEZA QUE DA LONA COLORIDA DE UMA PREGUIÇOSA QUE ME OFERECIAM EU ME DELEITAVA. ERAM TODOS UMA FAMÍLIA CORTEZ QUE NOS RECBIA E TRATAVA COM RESPEITO. CHEIRAVAM A SAL E A MARESIA, MAS ERAM ELES. NA MARÉ CHEIA, E ISTO ACONTECIA DUAS VEZES NO DIA DE VINTE E QUATRO HORAS, O EGÍDIO SALTAVA MAGESTOSO, DE UMA ALTURA QUE EU ACHAVA ENORME, COMO SE FOSSE UM PERFIL CONTRA UM SOL MORRENTE. CERTA VEZ, COM A MARÉ ALTA, O RIO PARECIA MUITO MAIOR DO QUE O NORMAL, O MANETA ME CHAMOU PARA IR, SEGURANDO NOS OMBROS DELE, ATÉ O OUTRO LADO DO RIO. NO MEIO, ELE MERGULHOU E EU FIQUEI SÓ, E FOI ASSIM QUE APRENDI A NADAR. NO OUTRO LADO, EM TERRENOS DE MUROS MUITO ALTOS, DE BARÕES DA ALTA CLASSE, COM BURACOS MUITO GRANDES PARA A ÁGUA ENTRAR. POR ESSE BURACO NÓS ENTRAVAMOS. LÁ DENTRO MUITA MANGA ROSA E MANGA ESPADA DE CHEIROS FORTÍSSIMOS E CONVITE. EU VIA OS RAPAZES PASSAREM CORDÕES NOS TORNOZELOS DAS CALÇAS E, ENCHEREM TUDO DE MANGA, DA CINTURA AOS PÉS. AH, IA ESQUECENDO: O EGÍDIO ERA O GUARDADOR DAS LANCHAS ENORMES, DOS BARÕES DAQUELES TERRENOS, E DE INTEIRA CONFIANÇA E RESPEITO DELES. POR FIM, EU TINHA DOIS CALÇÕES IGUAIS E SEMPRE DEIXAVA SÓ UM NO VARAL; NESSE DIA MEU BANHO DE MARÉ, QUE FOI MATINAL E VESPERTINO ME DENUNCIOU. MINHA MÃE DESCOBRIU A ARTIMANHA E O PAU COMEU.

SE ALGUNS DE VOCÊS SÃO DOS BAIRROS TORRE-MADALENA E NÃO EXPERIMENTARAM ISSO, AGORA NÃO TEM MAIS. A VIDA É EGOÍSTA, DÁ E TOMA. O SABIÁ DA MINHA MANGUEIRA O VALDIR MATOU DE BADOQUE, AI QUE DÓ. O GALO DE CAMPINA O GATO COMEU QUANDO ESBAGAÇOU SUA GAIOLA. O CANÁRIO FUGIU, O PINTASSILGO SUMIU E O CURIÓ A SAUDADE LEVOU. ADEUS INFÂNCIA TENHO SETENTA E OITO ANOS E TENTO ME SEGURAR NAS LEMBRANÇAS.


E O MANETA, E O DA BALA, E O TÃO E O CIÇO, E O HERNANDES E O EMÍDIO, ONDE ESTÃO VOCÊS? O NIEMAYER QUE JOGOU A TOALHA AOS CENTO E DOIS ANOS DISSE QUE AOS SESSENTA ANOS COMEÇA A FASE DAS DESPEDIDAS. ESTOU ESPERTO E COMO SOU ESCRIBA, NO PRÓXIMO ENCONTRO VOU VOMITAR MEMÓRIAS.

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